sexta-feira, 27 de setembro de 2013

SOBRE LIVROS

SEXAGESIMA STELLA

     Embora possa parecer contraditório, mas SEXAGESIMA STELLA é um livro de poemas românticos. O tão cantado e decantado amor mais uma vez vem à tona. Há poetas que ignoram este tema, como Augusto dos Anjos por exemplo, ao dizer: "O amor da humanidade é uma mentira..." E há outros que o engavetam e não publicam de jeito algum.
     Mas acredito que não é o tema em si, que vai julgar a qualidade do poeta, e, sim, a maneira como este tema é discorrido. Pois sabemos que tudo já foi dito, e a grande sacada, hoje, é dizer de novo de forma diferente. Partindo desse pressuposto, Anísio Mello, nos brinda com um fabuloso livro de poemas, "SEXAGESIMA STELLA".
     Vejamos o que Arthur Engrácio nos conta acerca desta obra de Anísio Mello: "Anísio Mello, com SEXAGESIMA STELLA, vem confirmar que o romantismo continua, realmente, vivo no espírito dos nossos poetas, pondo à mostra o romântico que mora nele, cantando em alto e bom som, o que lhe fala o coração. (...) Neste livro, o leitor vai deparar-se com um Anísio Mello mais apurado, mais senhor da sua técnica, a caminho, já, daquele estágio de perfeição que a arte confere aos seus eleitos. O acento lírico é mais forte, os versos fluem com mais espontaneidade, seus voos são mais seguros e ousados.
     Salve Petrarca! A maioria dos poetas, senão todos se curvaram à beleza e à perfeição desta forma poética que é o soneto, e com Anísio Mello, não foi diferente. O soneto vem atravessando escolas literárias, incólume no passar dos tempos, e ai de quem ousar modificá-lo! O poeta abre seu livro com chave de ouro, se é que permitem o trocadilho infame, vejamos:

LEMBRANÇAS

Na lembrança ficaste de permeio
a momentos de amor como te vi.
Foste rosa em meu peito e com receio
a primavera augusta então vivi.

Nos teus lábios agora me tonteio
e na luz dos teus olhos refleti
todo um sonho feliz e agora creio
que o amor é como o beijo que senti.  

Este amor que flutua mansamente
e encandece a manhã tão de repente,
mais parece o delírio de um adeus.

Um dia partirei, quem sabe quando?
Lembranças levarei sempre cantando,
com teus lábios impressos sobre os meus...

     A saudade é o tema que permeia todo o poema, o terceiro e quarto verso da primeira estrofe: "Foste rosa em meu peito e com receio/a primavera augusta então vivi." São reveladores desta afirmação. O último verso da segunda quadra: "que o amor é como o beijo que senti." evidencia bem, o todo do poema, embora seja, muita das vezes duradouro, quando termina. Como se fosse algo repentino há sempre o gostinho de quero mais. E por fim, a chave de ouro: " com teus lábios impressos sobre os meus..." É aquilo que podemos chamar de belo desfecho que desvenda todo o mistério do poema.

SUAVEMENTE

Um dia surgiste como estrela
no céu do firmamento dos meu dias
e tão branda chegaste, que doçura,
num sorriso de vestes cristalinas.
Te apertei em meus braços como um sonho,
naveguei em teus mares pelas noites,
sorvi o licor da tua loucura,
cantei a canção que flui dos lábios,
no calor dos teus desejos impossíveis.

Bendita noite de tua voz sorriso,
em que pousaste nos meus olhos
como um brilho de sol
ou de uma estrela...

     Neste poema, como bem nos informa o título, não há nada que venha se contrapôr à felicidade do poeta,
em "SUAVEMENTE", não encontramos aquela trama tão comum a tantos textos, e mesmo assim, o poeta consegue ser autêntico, há um casamento perfeito do título com o poema. Num discorrer suave, o poeta se regozija, o poema perfaz um caminho contrário de que textos famosos da nossa literatura trilharam! E Anísio Mello, prova, com isto, que podemos extrair poesia sim, de tudo, de todos os momentos da vida.

SONETO COLORIDO

Talvez não saibas tu quanta poesia
é capaz de ofertar um só artista.
Se é pintor e poeta, que alegria,
ter o dom de assistir o ser que avista,

o céu, a terra, o mar que ele recria
na tela ou no papel, sempre otimista,
em função do seu dom que lhe irradia
uma alvorada azul-a sua conquista!

Ser pintor e poeta a um só tempo,
é sentir duplamente o sofrimento,
as dores deste mundo, a alegria.

É dizer com o pincel a cor da vida
e pintar em seus versos, colorida,
as auroras de luz de uma poesia.

     Em SONETO COLORIDO, o poeta traz à luz dos olhos mais uma qualidade, a de ser pintor, artista plástico. E fala dessas dores por ser poeta em dose dupla, já que a pintura é conceituada por muitos como poesia para ser vista. fica bem evidente, no final do soneto essa afirmação, quando no desfecho ele diz: "É dizer com o pincel a cor da vida/e pintar em seus versos, colorida,/as auroras de luz de uma poesia.

ROSINHA INDO PRO CÉU

Em vida Rosinha passava pela rua
boinha boinha
olhava sempre o amanhã que deveria ser melhor.
Os olhares malandros do rapazil
imaginavam coisas
sonhavam Rosinha nuinha nuinha
gestos lentos
corpo moreno de amendoim
olhos de amêndoas doce
lábios com gosto de beijo.

(...)

     Em ROSINHA INDO PRO CÉU, fica no ar uma intriga sobre Rosinha, que poderia, pelo seu nome no diminutivo, ser uma criança, mas uma criança não apática aos olhares da matula que a imaginavam despida, mesmo morta indo para o céu!

    Em "CAFÉ DA MANHÃ", há certo teor de erotismo nunca antes neste livro, é um convite ao amor, aos prazeres da carne. Eis um fragmento do poema:

CAFÉ DA MANHÃ

Minha negra, com carinho,
mostra o café do teu corpo.
Faz no olhar dos olhos meus
as ondas do mar que tens.
que se confundem com estradas,
tão sinuosas, sombrias,
esquivas curvas do amor.

(...)

Mostra o café do teu corpo
no brilho do meu lençol,
mostra o amor que tens no peito
ao calor que trago eu,
se podes provar que és minha,
para provar que sou teu.


ORAÇÃO

Ave Maria
do céu e da terra
cheia de graça e de beleza,
o Senhor é convosco e conosco,
Bendita Sois Vós
e todas as mulheres
entre as quais Sois Rainha,
Bendito é o fruto do Vosso ventre,
Jesus!

     De repente, lá pelas tantas, o amor muda de figura, a religiosidade do poeta, assume o timão e surge um belíssimo poema à Nossa Senhora. A meu ver, uma crítica àqueles que lotam as igrejas e acham que sua salvação está lá, e esquecem muitas das vezes da sua própria vida.

DOCE MENTIRA

Oh! doce mentira aquela de teus olhos
quando lágrimas rolaram em teu rosto
e juraste amar eternamente
o teu poeta
e enganas tua alma com outros beijos.

     Em versos simples, sem rebuscamento algum, ou hermetismo, o poeta nos informa da perda de sua musa. DOCE MENTIRA pode ser visto como antítese, uma contraposição de ideias.

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