Existem algumas diferenças do texto escrito no papel e o texto lido ou declamado, como queiram. Às vezes a rima pode-se dizer que é falsa, porque ela está lá! O poeta rimou seu soneto perfeitamente. Mas ao dizer o poema, se o declamador obedecer à pontuação, a rima desaparece. Por isso (grifo meu) digo que se trata de rima falsa. É o que podemos chamar de cavalgamento: o seguimento da fala no final do verso, fazendo com que a rima desapareça.
Vejamos o soneto "Versos de orgulho" de Florbela Espanca:
"O mundo quer-me mal porque ninguém
tem asas como eu tenho! Porque Deus
me fez nascer princesa entre plebeus
numa torre de orgulho e de desdém.
Porque o meu reino fica para além...
Porque trago no olhar os vastos céus
e os oiros e clarões são todos meus!
Porque eu sou Eu e porque eu sou ninguém!
O mundo? O que é o mundo, ó meu amor?
- O jardim dos meus versos todo em flor...
A seara dos teus beijos, pão bendito...
Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
- São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o infinito."
Florbela Espanca
In: Charneca em flor (1930)
P.: 65
Logo no primeiro verso da primeira estrofe acontece o que chamo de rima falsa, pois o seguimento do primeiro verso para o verso seguinte, isto é, sem pausa, faz com que a rima "ninguém" desapareça. A pausa ao pontuador obediente acontece na palavra "tenho" por conta da exclamação. Na fala, portanto, não existe a rima.
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