terça-feira, 31 de março de 2015

HOMENAGEM

Neste dia 01 de abril meu pai, Manuel Rodrigues de Souza Filho, o Seu Hugo, completaria 89 anos. Dos trocentos poemas escritos a ele, escolhi "O matador de formigas", para esta justa homenagem.


                                                                O MATADOR DE FORMIGAS

Quantas vezes sentado nessa porta,
vislumbrei Papai para minha intriga,
com a unha, a assassinar muitas formigas,
que agonizavam esmagadas, tortas!

E após essas formigas todas mortas,
o meu Pai, como sem sentir fadiga,
numa fase do tempo já antiga,
em que meu pensamento se transporta...

Limpava, no batente, a sua unha,
num tempo sem revolta, nem mumunha,
mas com toda a paz que há na alma.

Posso vê-lo mais uma vez ainda,
numa época muito, muito linda,
com muita paz, tranquilidade, calma!

                             
  Manuel Rodrigues de Souza Filho                                        Miguel de Souza

quinta-feira, 19 de março de 2015

SOB O VÉU DA AMIZADE

          Quando soube que a minha amiga Márcia Wayna Kambeba fixaria residência em outra plaga, disse a ela que Manaus ficaria mais pobre sem sua presença. Depois, pensei melhor e aproveitei essa frase transformando-a em verso para uma singela homenagem em forma de poema a ela. O que não poderia imaginar é que o poema fosse parar no seu livro "AY KAKYRI TAMA (EU MORO NA CIDADE), e que eu fosse fazer parte numa pequena participação especial no mesmo juntamente com Eylan Lins e Leon Levi, todos do CLAM. A Márcia Kambeba é surpreendente!
          O poema tem a estrutura de um soneto em redondilha maior com cesuras em 4/7 e 5/7. O verso "Manaus ficará mais pobre" foi usado como suporte para a chave-de-ouro.

NOBREZA

Ao longo do tempo, no aço-
-reflexo do nosso espelho;
permanecerá fedelho,
como um quentíssimo abraço,

o meu sentimento lato!
Por essa voz maviosa,
pela presença gostosa,
porque tens o jeito exato

de espargir as vibrações,
de emoldurar as retinas,
por ser, talvez, tua sina,
cingir nossos corações!

Manaus ficará mais pobre,
sem tua presença nobre!


In:Ay Kakyri Tama = Eu moro na cidade
Márcia Wayna kambeba - Manaus
Grafisa Gráfica e Editora, 2013.
P. 69

terça-feira, 10 de março de 2015

CURIOSIDADE LITERÁRIA

Manuel Bandeira convidado a fazer parte do corpo de jurados num Festival de Violeiros realizado no Rio de Janeiro, ficou encantado com os poetas repentistas. Assis Ângelo, autor do livro "A presença dos cordelistas e cantadores repentistas em São Paulo", conta que Manuel Bandeira escreveu o poema "Saudações aos cantadores", depois de ouvi-los durante esse festival. O poema foi publicado no Jornal do Brasil em 11 de dezembro de 1959 e, posteriormente, no livro "Estrela da vida inteira", de 1965. "O que me chamou atenção foi o fato do poeta já consagrado, lá pelas tantas do poema escrever: "saí dali convencido/QUE NÃO SOU POETA NÃO (...) Putz!!!"

SAUDAÇÕES AOS CANTADORES


Anteotem, minha gente,
fui juiz numa função
de violeiros do Nordeste
cantando em competição,
vi cantar Dimas Batista,
Otacílio, seu irmão,
ouvi um tal de Ferreira,
ouvi um tal de João.
Um a quem faltava um braço
tocava cuma só mão;
mas como ele mesmo disse,
cantando com perfeição,
para cantar afinado,
para cantar com paixão,
a força não está no braço,
ela está no coração.
Ou puxando uma sextilha,
quer a rima fosse em inha
quer a rima fosse em ão,
caíam rimas do céu,
saltavam rimas do chão!
Tudo muito bem medido
no galope do sertão.
A Eneida estava boba,
o Cavalcante bobão,
o Lúcio, o Renato Almeida,
enfim toda comissão.
Saí dali convencido
que não sou poeta não;
que poeta é quem inventa
em boa improvisação
como faz Dimas Batista
e Otacílio seu irmão;
como faz qualquer violeiro,
bom cantador do sertão,
a todos os quais humilde
mando minha saudação.

Manuel Bandeira

  

sábado, 7 de março de 2015

ENTREGA


                                                Quando os primeiros raios solares
                                                penetrarem na fresta da terra
                                                tangendo assim o breu, que sem guerra
                                                entrega ao sol todos os lugares:

                                                Terra, água, rios, oceanos, mares...
                                                E tudo mais que minha vista encerra!
                                                Desde o mais raso, aos píncaros da serra
                                                rés ao solo, ou suspenso nos ares!

                                                Para entregar o posto, ao fim da tarde
                                                quando a natura dissipar o alarde
                                                e o silêncio reinar absoluto.

                                                E esses primeiros raios solares
                                                penetrarem em todos os lugares
                                                após o tempo ter vestido luto!

                                                                    Miguel de Souza

domingo, 1 de março de 2015

POEMAS PREFERIDOS

Certa vez pediram ao Camões para vestir uma roupa que não fosse nem de homem, nem de mulher. Ele ficou nu, se meteu dentro de uma tarrafa, e saiu desfilando por aí.

O POETA VESTE-SE

Com seu paletó de brumas
e suas calças de pedra,
vai o poeta.

E sobre a cambraia fina
da camisa de neblina,
o arco-íris em gravata
vai atado em nó singelo.

(Um plátano, sobre a prata
da água tranquila do lago,
se debruça só por vê-lo.)

Ele leva sobre os ombros
a cachoeira do lago
(cachecol à moda russa)
levemente debruada
de um fino raio de sol.

Vai o poeta
a caminhar pelas serras.

(pelos montes friorentos
mal se espreguiça a manhã)

com pull-over cinzento
feito com lã das colinas

com seus sapatos de musgo
(camurça verde dos muros)

com seu chapéu de abas largas
(grande cumulus escuro).

Mas algo ainda lhe falta
para a elegância completa:

súbito pára, se curva,
num gesto sóbrio e perfeito,

um breve floco de nuvens
colhe e prende na lapela.


BACELLAR, Luiz.
Frauta de Barro. Manaus, Editora Calderaro, 1989. 100 p.