domingo, 1 de março de 2015

POEMAS PREFERIDOS

Certa vez pediram ao Camões para vestir uma roupa que não fosse nem de homem, nem de mulher. Ele ficou nu, se meteu dentro de uma tarrafa, e saiu desfilando por aí.

O POETA VESTE-SE

Com seu paletó de brumas
e suas calças de pedra,
vai o poeta.

E sobre a cambraia fina
da camisa de neblina,
o arco-íris em gravata
vai atado em nó singelo.

(Um plátano, sobre a prata
da água tranquila do lago,
se debruça só por vê-lo.)

Ele leva sobre os ombros
a cachoeira do lago
(cachecol à moda russa)
levemente debruada
de um fino raio de sol.

Vai o poeta
a caminhar pelas serras.

(pelos montes friorentos
mal se espreguiça a manhã)

com pull-over cinzento
feito com lã das colinas

com seus sapatos de musgo
(camurça verde dos muros)

com seu chapéu de abas largas
(grande cumulus escuro).

Mas algo ainda lhe falta
para a elegância completa:

súbito pára, se curva,
num gesto sóbrio e perfeito,

um breve floco de nuvens
colhe e prende na lapela.


BACELLAR, Luiz.
Frauta de Barro. Manaus, Editora Calderaro, 1989. 100 p.




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