sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

SOBRE POEMAS



OS NONATOS


Nunca tinha ouvido alguém falar mal do Drummond... Mas outro dia, ouvindo Os Nonatos, uma dupla de cantadores nordestinos, na sextilha: “Vou morrer discordando”, lá pelas tantas, Nonato Costa me saiu com esta:

“Eu discordo muito mais,
De quem quer passar pra massa
Que os poemas de Drummond
Tinham poesia e graça
Quem acha que aquilo é luxo
Pra mim de lixo não passa.”

Bem, acredito que os poetas nordestinos, eu já falei isso por aqui, são os melhores que há. Mas acredito também, que o alvo dessa crítica não foi o Drummond, e, sim, a poesia que “alguns” sulistas praticaram e vêm praticando no decorrer do tempo. Aquela poesia sem métrica e sem rimas, a chamada de versos brancos e livres. Aí, nada mais justo de você escolher, até para chamar a atenção, o nome mais propalado dentre todos eles, o de Drummond!
Mas a poesia é profunda sendo ela metrificada ou não, rimada ou não. Vejamos o que fala o próprio Drummond sobre poesia numa entrevista dada por ele: “Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos.”
Num estudo sobre o livro “A rosa do povo”, Affonso Romano de Sant’Anna, dá uma ligeira explicação sobre o sonetilho Áporo, olhem só: gostaria de chamar a atenção, por exemplo, para um sutil e pequeno poema, na verdade, um sonetilho, chamado ‘Áporo”:

Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh, razão, mistério)
presto se desata:

em verde, sozinha,
antieuclediana,
uma orquídea forma-se.     

Parece enigmático à primeira leitura. Descobrindo-se, no entanto, que “áporo” é uma palavra que tem três significados: é o nome de um inseto, tipo de escaravelho que cava terra adentro; é também um teorema sem solução e, enfim, o nome de uma orquídea, o texto começa a se esclarecer.
Como um inseto, um ser minúsculo, gauche, acostumado à escuridão, onde noite, raiz e minério se entrelaçam, o indivíduo encontra-se numa situação labiríntica, aporética. Mas é cavando, a despeito da irracionalidade da vida e dos fatos, é lutando contra a treva, contra a aporia, contra os teoremas da razão, que, antieuclidianamente, a orquídea (ou indivíduo), enfim, se forma.
Como se vê, a temática da flor está aí subjacente.



quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

SANTA LUZIA


      Da história de Luzia, a Santa,
      Segundo nos informa a igreja,
      Houve uma grande peleja,
      Que muita gente ainda canta:

      Foi prometida pela mãe,
      A um jovem daquela corte.
      Mas este não tivera sorte,
      Pois foram atitudes vãs...

     Este não era bem seu sonho,
     E a mãe tornara-se madrasta!
     Seu sonho era morrer casta,
     E por isto adiou o matrimônio.

    Tendo sua mãe acometida
    De hemorragia. Grave doença;
    Era dura sua sentença,
    Pelos meandros dessa vida.

   Conseguiu convencê-la a ir,
   Em peregrinação ao túmulo
   De Santa Ágata, pelo acúmulo
   Da doença a persegui-la!

   Sua mãe voltou curada
   Daquela terrível doença;
   E como maior recompensa,
   Permitiu que a filha amada,

   Se mantivesse casta, virgem.
   E que também dividisse
   Tudo aquilo que possuíse,
   Sua riqueza de origem.
    
    Entretanto, o ex-noivo com ira,
    Foi o pivô da denúncia;
     Por causa daquela renúncia,
    O casamento não saíra.

   A jovem foi a julgamento.
   Como queria morrer casta,
   O imperador deu um basta!
   E, naquele fatídico momento,

   Mandou-A ao prostíbulo,
   Para ser servida aos homens.
   Mas, não há quem na vida a dome,
   E ali mesmo foi seu patíbulo.
  
     Luzia sem mover um dedo.
    Ninguém conseguiu movê-la!
    Aos olhos da matula ao vê-la,
    A jovem na terra em degredo.
  
    Resina e azeite ferventes,
   Foram jogados pelos carrascos.
   Atitude que me causa asco,  
   De toda essa pobre gente!
   
   Luzia por graça dos céus,
   Continuava viva, sem mácula,
   Brilhante como uma fácula,
   Pela vontade de Deus.

   Mas um golpe desferido
   De espada em sua garganta
   Tirou a vida Sacrossanta,
    Num momento comovido.

                  
                 
           Miguel de Souza