quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

POBRE DRUMMOND!

     A estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade vem sendo vítima da ação de vândalos. A frequência é tanta que foi preciso instalar uma câmera para identificar os malfeitores. Esta foi a décima vez que a estátua sofreu tal atitude.
     Desta vez, dois adolescentes foram pegos, presos e liberados após pagarem a fiança. Pelo menos isto, eles saíram no prejuízo. Agora, antes de depredarem o patrimônio público, irão pensar duas vezes.
     Mas um sujeito tomou uma atitude digna de um cidadão de bem: com um recipiente, flanela e sabão em punho, estava lavando a estátua do poeta, quando foi indagado sobre sua atitude, respondeu que o poeta era seu amigo, todo dia ele tomava um cafezinho na sua padaria e levava dois dedos de prosa.
     Enfim, um desfecho digno de um poema ou de uma crônica, já que se trata de um escritor do quilate de um Carlos Drummond de Andrade.




E AGORA, DRUMMOND?


E agora, Drummond?
A hora passou,
o tempo acabou,
o mundo ruiu,
o vento soprou,
e agora, Drummond?
E agora, poeta?
Você que tá sem fome,
que hoje vegeta,
que já não faz versos,
também não protesta?
E agora, Drummond?

Está sem abrigo,
está sem percurso,
tá sempre sozinho,
já não pode gemer,
já não pode andar,
tossir já não pode,
o vento soprou,
o sol não veio,
a lua não veio,
o tempo não veio,
não veio a alegria,
e tudo soprou,
e tudo ruiu,
e tudo sobrou,
e agora, Drummond?

E agora, Drummond?
sua agridoce lavra,
sua pele de lebre,
seu instante bebum,
sua Remington,
sua tez nácar,
seu paletó rubro,
sua inconsistência,
seu imóvel, e agora?

Com o gesto na mão,
quer acenar adeus,
não existe deus;
quer morrer de novo,
não há o novo,
quer ir para casa,
casa não há mais.
Drummond, e agora?

Se você andasse,
se você risse,
se você dançasse
um tango argentino,
se você acordasse,
se você bocejasse,
se você revivesse...
Mas você não revive,
você é eterno, Drummond!

Para sempre no futuro
como qualquer imortal,
sem idiossincrasia,
sem palavras-puas
para lhe ferir,
sem subterfúgio,
que fuja num trote,
você vive Drummond!

Drummond, em que plaga?


                           Miguel de Souza

domingo, 19 de janeiro de 2014

25 ANOS DE SACERDÓCIO

     Quando o Padre José Carlos Sabino completou 25 anos de sacerdócio, os Coordenadores e Assessores resolveram homenageá-lo. Cada diaconia escolheu uma maneira para essa homenagem, a diaconia 13, na coordenação de Sônia Maria com sua Equipe de Serviço, decidiram que a homenagem fosse com um poema, e me encomendaram um texto. No dia da homenagem, a Catequista Alessandra fez a leitura do poema na celebração da missa.

                                                       Padre José Carlos Sabino

                                                     
                                                       AO PÁROCO COM CARINHO


                                                       Nesses anos todos de sacerdócio,
                                                       -E lá se vão vinte e cinco anos!-
                                                       Foram muito de luta e pouco de ócio,
                                                       E alguns amargos-duros desenganos.

                                                       Mas teve na labuta algo (in)dócil,
                                                       Algo que não estava nos teus planos...
                                                       E p'ra continuar na luta, o nosso
                                                       Padre, terá mais vinte e cinco anos!

                                                       E com o pensamento em tom de prece,
                                                       Nossa diaconia hoje, agradece
                                                       Ao nosso Pároco com carinho.

                                                       Vinte e cinco motivos que seja,
                                                       Para não desistires desta igreja,
                                                       E a certeza de que não estamos sozinhos!

                                                                      Miguel de Souza

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

desejo


a libido aflorava
na tez alva de Núbia
nos seios fartos de Núbia
nas coxas flamas de Núbia

e meus olhos consumiam
a tez alva de Núbia
os seios fartos de Núbia
as coxas flamas de Núbia

mas eu muito menino...

não pude usufruir
da tez alva de Núbia
dos seios fartos de Núbia
das coxas flamas de Núbia

e tive de contentar-me com

a libido que aflorava
na tez alva de Núbia
nos seios fartos de Núbia
nas coxas flamas de Núbia

Miguel de Souza

sábado, 11 de janeiro de 2014

MARÍLIA DE DIRCEU

RESUMO:

     Na primeira parte de Marília de Dirceu somos apresentados à Marília e ao pastor Dirceu, responsável pela voz do poema que descreve todo o seu sentimento pela jovem. Ambos são pastores de ovelhas em uma região não definida pelo autor. Nessa primeira parte, escrita antes da prisão do autor, nota-se uma preocupação intensa em louvar a beleza da amada. Outro objetivo do eu lírico nesse trecho parece o de se colocar à altura dela, fato que fica claro pela afirmação de uma posição social nas primeiras liras.
     Além disso, Dirceu apresenta frequentemente seus planos com relação ao futuro com Marília. O eu lírico deseja uma vida bucólica e serena, com filhos, em um ambiente campestre fortemente marcado pela presença da natureza.
     Já na segunda parte, elaborada na prisão, local para o qual o autor e o eu lírico se deslocam, e na terceira, predomina o tom solitário e pessimista. Dirceu repete sua tristeza e saudade de Marília, sem o otimismo e o louvor à natureza presente no trecho inicial.

SOBRE O AUTOR:
                                                        Tomás Antônio Gonzaga

     Nascido em Portugal, Tomás Antônio Gonzaga foi levado para Pernambuco pelo pai brasileiro. Envolvido com a Inconfidência Mineira, foi preso e enviado à Moçambique, na África, onde passou boa parte de sua vida. É considerado um dos grandes nomes do arcadismo.

SOBRE O LIVRO:

     O livro teve sua primeira parte publicada no ano de 1792, em Lisboa. A obra pertence ao Arcadismo, mas já apresenta características do Romantismo. Especula-se, inclusive, que foi o amor do autor por Maria Dorotéa Joaquina de Seixas que inspirou a história. Refletido em Dirceu, Gonzaga declara seus sentimentos pela amada.

ANÁLISE:

     Marília de Dirceu é um longo poema narrativo, composto por duas partes de cerca de trinta liras, termo utilizado para denominar os poemas que compõem a obra, e uma terceira que mescla liras, sonetos e odes. Seu enredo é profundamente relacionado à biografia do autor, Tomás Antônio Gonzaga. A protagonista da obra lírica teria sido inspirada em Maria Dorotéa Joaquina de Seixas, uma jovem moradora da região de Vila Rica. A área foi palco da Inconfidência Mineira, evento no qual o autor esteve envolvido e que lhe rendeu um tempo preso.
     Por se tratar de uma obra identificada com o Arcadismo, o eu lírico, embora profundamente identificado com o autor, assume o papel de um camponês pastor de ovelhas, assim como sua amada. No livro, são evocados frequentemente elementos identificados com a vida no campo, estratégia inspirada na tradição Greco-latina.
     O vínculo com a literatura árcade também faz com que a obra apresente profunda preocupação formal e que sejam citados elementos das culturas clássicas. Entretanto, a linguagem empregada é simples e busca aproximação com o coloquial. O tratamento dado à figura feminina é bastante idealizado, mas em alguns trechos sua presença parece mais real do que em outras obras do gênero.
     Marília tem sua beleza louvada constantemente e, em virtude de seus atributos, são elaboradas metáforas como "teus olhos espalham luz divina" ou "tuas faces, que são cor de neve". Por sua relação com a temática amorosa, alguns autores enxergam em Tomás Antônio Gonzaga características pré-românticas.

DIALOGANDO COM A OBRA:

     Li, na faculdade, a obra "Marília de Dirceu" de Tomás Antônio Gonzaga. Eram aulas sempre bem humoradas de Literatura Portuguesa ministradas pelo Professor Washington. Líamos por partes, e sempre debatíamos sobre a parte lida no final das aulas. O fato é que findei escrevendo um pequeno texto, um diálogo com a obra, que só agora veio aflorar-me a ideia de expô-lo. Ei-lo:

(de)Lir'Antes do zero

não te invejo, grande Dirceu
nem ao teu amigo, Glauceste
P'la inspiração, obra celeste
no teu estro, quando se deu.
Dirceu, ao cantar Marília
e Glauceste, com sua Eulina
foi mesmo inspiração divina
uma oitava Maravilha!
     mas, eu também tenho a minha
     a minha diva, musa, rainha!

Dirceu com sua pastora
de tudo achava um jeito
de revelá-la no peito
a sua Bela sedutora.
enquanto, Glauceste, o amigo
com sua interessante obra
por Eulina se desdobra
para ser seu único abrigo.
     mas, eu também trago no cerne
     alguém que só a mim concerne.

Dirceu não sabe direito
como descrever Marília
nessa sua tenra trilha
ora d'um, ora d'outro jeito:
ora os cabelos fios d'ouro
ora a tez é bem trigueira
u'a autêntica brasileira
o corpo, moreno ou louro?
     mas, a minha inda perdura
     tal qual conserva a natura.

certa feita, na masmorra
tendo com um passarinho
sentindo-se tão sozinho
sem ninguém que o socorra
recorreu a esta dita ave
dando-lhe, de Marília, o end'reço
dizendo: por Ela padeço
desta solidão me salve!
     mas a minha nunca fora
     de fato nenhuma pastora.

                 Miguel de Souza

sábado, 4 de janeiro de 2014

CURIOSIDADE LITERÁRIA

Outubro, 5 - No apartamento de Manuel Bandeira, para pedir-lhe autógrafo no álbum de uma amiga de Maria Julieta. Conta-me que recebeu há dias cartas de uma prima freira, na qual se falava de uma santa que teve o coração transverberado (atravessado de luz). A palavra invocou-o, sem que entretanto lhe viesse à ideia fazer um poema de que ela fosse núcleo ou participante. Eis que, domingo, o poeta almoçou "com uma pequena", e depois estiveram em intimidade. Veio-lhe a seguir o estado de modorra, durante o qual compôs mentalmente um soneto, com título e tudo: "O lutador". no dia seguinte, escreveu a peça, mudando-lhe apenas uma palavra. O "coração transverberado" aparece no fecho do soneto; composto todo ele em estado de semiconsciência, não como ato de inteligência, diz Bandeira.

Do livro: "O OBSERVADOR NO ESCRITÓRIO"
De: Carlos Drummond de Andrade
P. 47  

                                                       O LUTADOR

                                                       Buscou no amor o bálsamo da vida,
                                                       Não encontrou senão veneno e morte.
                                                       Levantou no deserto a roca forte
                                                       Do egoísmo, e a roca em mar foi submergida!

                                                       Depois de muita pena e muita lida,
                                                       De espantoso caçar de toda sorte,
                                                       Venceu o monstro de desmedido porte
                                                       -A ululante Quimera espavorida!

                                                       Quando morreu, línguas de sangue ardente,
                                                       Aleluias de fogo acometiam,
                                                       Tomavam todo o céu de lado a lado,

                                                       E longamente, indefinidamente,
                                                       Como um coro de ventos sacudiam
                                                       Seu grande coração transverberado!

                                                       Manuel Bandeira
                                                       Do livro: "BELO BELO"