A estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade vem sendo vítima da ação de vândalos. A frequência é tanta que foi preciso instalar uma câmera para identificar os malfeitores. Esta foi a décima vez que a estátua sofreu tal atitude.
Desta vez, dois adolescentes foram pegos, presos e liberados após pagarem a fiança. Pelo menos isto, eles saíram no prejuízo. Agora, antes de depredarem o patrimônio público, irão pensar duas vezes.
Mas um sujeito tomou uma atitude digna de um cidadão de bem: com um recipiente, flanela e sabão em punho, estava lavando a estátua do poeta, quando foi indagado sobre sua atitude, respondeu que o poeta era seu amigo, todo dia ele tomava um cafezinho na sua padaria e levava dois dedos de prosa.
Enfim, um desfecho digno de um poema ou de uma crônica, já que se trata de um escritor do quilate de um Carlos Drummond de Andrade.
E AGORA, DRUMMOND?
E agora, Drummond?
A hora passou,
o tempo acabou,
o mundo ruiu,
o vento soprou,
e agora, Drummond?
E agora, poeta?
Você que tá sem fome,
que hoje vegeta,
que já não faz versos,
também não protesta?
E agora, Drummond?
Está sem abrigo,
está sem percurso,
tá sempre sozinho,
já não pode gemer,
já não pode andar,
tossir já não pode,
o vento soprou,
o sol não veio,
a lua não veio,
o tempo não veio,
não veio a alegria,
e tudo soprou,
e tudo ruiu,
e tudo sobrou,
e agora, Drummond?
E agora, Drummond?
sua agridoce lavra,
sua pele de lebre,
seu instante bebum,
sua Remington,
sua tez nácar,
seu paletó rubro,
sua inconsistência,
seu imóvel, e agora?
Com o gesto na mão,
quer acenar adeus,
não existe deus;
quer morrer de novo,
não há o novo,
quer ir para casa,
casa não há mais.
Drummond, e agora?
Se você andasse,
se você risse,
se você dançasse
um tango argentino,
se você acordasse,
se você bocejasse,
se você revivesse...
Mas você não revive,
você é eterno, Drummond!
Para sempre no futuro
como qualquer imortal,
sem idiossincrasia,
sem palavras-puas
para lhe ferir,
sem subterfúgio,
que fuja num trote,
você vive Drummond!
Drummond, em que plaga?
Miguel de Souza
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