quinta-feira, 28 de maio de 2015

VERSOS BRANCOS

A rima é um dos recursos da poesia que surgiu quando houve o rompimento com a música, a partir do século XV. Com o advento do Modernismo em 1922, a rima caiu em desuso e passou a ser usada esporadicamente por alguns poetas conservadores. Eu, particularmente, tenho imensa dificuldade em escrever sem rima, pois se a poesia perde a rima, ela tem que ganhar em outros recursos, como o vocabulário, por exemplo. Patativa do Assaré, poeta nordestino critica os poemas de versos brancos no seu Aos poetas clássicos:

(...) "Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia,
Tarvez este meu livrinho
Não vá recebê carinho,
Nem lugiu e nem istima,
Mas garanto sê fié
E não istruí papé
Com poesia sem rima.

Cheio de rima e sintido
Quero escrevê meu volume,
Pra não ficá parecido
Com a fulô sem perfume;
A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura,
Parece uma noite iscura
Sem istrela e sem luá.

Se um dotô me perguntá
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou ficá,
A minha resposta é esta:
- Sem rima, a poesia
Perde arguma simpatia
E uma parte do primô;
Não merece muita parma,
É como um corpo sem arma
E o coração sem amor.

Meu caro amigo poeta,
Que faz poesia branca,
Não me chame de pateta
Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza,
Sempre adorando a beleza
Das obras do Criadô,
Uvindo o vento na serva
E vendo no campo a erva
Pintadinha de fulô.

Sou um caboco rocêro,
Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão,
Vivo nesta solidade
Bem distante da cidade
Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna."


Exemplo de poema sem rima:

                                                                  "O ônibus sacoleja. Adeus Rimbaud."
                                                                                                    Ferreira Gullar.

O verso sacoleja minha mente
Qual o ônibus do poema do Gullar
E numa síntese de Tânatos e de Eros
Surge esse verso-símbolo Baudelaire

Que não fala somente dessas flores
E nem do mal, qual o poeta-mor
Mas do amor, violentamor e morte
Na quintessência anciã da vida

Que empubesce no florescer ávido
Para o transporte, movedor-funéreo
Das carcaças de sanguecarneossos

E a ancietude estanca no tempo
No tempo dos "visíveis" a olhos nus
Para transpor essa parede-vento

                              Miguel de Souza

domingo, 24 de maio de 2015

estigmas

quando findar o último fio negro
de cabelo que há nesta cabeça
e, enfim, chegar a mim, o sossego
da última sombra, a sombra mais espessa...

a grande sombra, a sombra da promessa
não mais existirá... por isso, chego
como algo que Alguém vem e arremessa
e me destina a um outro aconchego.

e nas agruras todas desse universo
eu, "somente sou quando em verso"*
alguém consiga decifrar meus enigmas

e traduza, eloquente, em certas loas
os mistérios oníricos, -coisas boas!-
e as dores, os descasos, os estigmas.


* verso de Thiago de Mello

                             Miguel de Souza

sexta-feira, 22 de maio de 2015

TROVOADA DE TROVAS

Quedo-me sempre estático
co'a inspiração que não estanca!
Toda vez que leio os versos
da poeta Florbela Espanca.

               Miguel de Souza

domingo, 17 de maio de 2015

CLAM FAZ REUNIÃO ABERTA

O Clube Literário do Amazonas (CLAM), promove reunião aberta ao público em formato de sarau, visando o evento que se realizará em junho (BLOOMSDAY)  em homenagem a James Joyce. A reunião que aconteceu ontem 16, será todos os sábados a partir das 18h00 no Casarão dos Belos Quadros, avenida Joaquim Nabuco, em frente ao Grupo Simões. Bate-papo, poemas, ensaios, petiscos, guloseimas e muito mais!

Poema lido por mim ontem no encontro:

SABÁTICO

Hoje é sábado.
Amanhã será
sábado.
Todos os dias
de hoje em diante
serão sábados em mim...

Todas as manhãs
serão manhãs
de sábado.

O cheiro de café
vindo da cozinha
será o de café
de sábado.

Todas as tardes
serão tardes
de sábado.

Após o almoço
a sesta
será a sesta
de sábado.

Todas as noites
serão noites
de sábado.

Depois da tarde
as festas
serão as festas
de sábado.

Miguel de Souza

quinta-feira, 14 de maio de 2015

SOBRE LIVROS

Excelente e-book de Herculano Alencar, um dos poetas que desfilam sua competência no Recanto das Letras. São sonetos construídos a partir de citações de grandes autores universais como Oscar Wild, Ovídio, Louis Pasteur, etc...

"As duas cartas de amor mais difíceis de escrever são a primeira e a última." Francesco Petrarca.

8- Cartas fora do baralho

Minha primeira carta de amor,
eu escrevi em forma de poema.
Marcava um encontro no cinema
na porta do andar superior.

A musa, uma garota de Ipanema,
tão bela quanto a bossa de Jobim,
nunca sorriu de perto para mim,
ou atendeu os meus telefonemas.

Minha última carta de amor,
fui ao correio, mas não pude pôr,
por conta de uma greve de carteiro.

A musa era a mesma da primeira:
uma filha da puta interesseira
que só amava o luxo e o dinheiro.

Herculano Alencar

domingo, 3 de maio de 2015

CURIOSIDADE LITERÁRIA

          Ouvi esta história do pintor Moacir Andrade numa entrevista. Achei interessante e resolvi passar adiante este fato ocorrido:
          Quando saiu o livro Pássaro de Cinza do poeta Farias de Carvalho, Moacir Andrade tinha uma viagem marcada para o sul do país, e resolveu levar algumas edições do citado livro na bagagem.
          Ao chegar ao seu destino foi ter com o poeta Manuel Bandeira, e lhe ofertou um exemplar do Pássaro de Cinza. Ao passar a vista pelas suas páginas, Manuel Bandeira beijou-o, trouxe-o até ao peito e proferiu a seguinte frase: "Eis aqui um autêntico livro de poesia."
          De fato, o tempo provou que o bardo estava coberto de razão, Pássaro de Cinza é um dos livros mais bem escritos que já tive a oportunidade de ter em mãos.



TENTATIVA DE POEMA PARA TI, BANDEIRA

Alô,
Poeta menino sempre!
Me encontrei com você
           agora mesmo
puxando mansamente
           agora mesmo
um barco de papel
           agora mesmo
no rio que invemtei
           agora mesmo
no meio da rua 7 de setembro
nesta minha longe de tudo cidade de Manaus.
Interessante.
Você que diz que tem setenta anos.
tinha um olhar assim de quem tem tempo
tempo de sobra para esperar o tempo
sem ter nunca sentido em tempo algum
a marca velha desse mesmo tempo.
E a rua inteira se emprenhou de ti...
               Capiberibe
               Capibaribe
Recife sem nenhuma geografia
e que de olho conheci tão pouco!
-inteiro, sem faltar nenhum pedaço
veio cair (è mágica das ruas)
nessa coisa que o homem e a anatomia
chamam de coração, e para nós
nome nenhum pode ter; humano:
bate, se dana, pula desse jeito
quando se esbarra nessa outra coisa
que não sei quem falou que é poesia.
(Isso que fazes tão divinamente
ou como dizem aqui gostosamente
PAIDEGUAMENTE, irmão, PAIDEGUAMENTE).
Poeta menino sempre,
eu só queria poder,
me largaria bem para mais alto
numa estrela qualquer, no cocoruto
da tua estrela da manhã, e lá,
teceria uma rede, teus poemas,
só pra poder ficar tranquilamente,
cumprindo essa missão que Deus nos dá
para os grandes eleitos como tu:
ficar pescando, pescador, pescando,
pescando a dor dos outros pelo mundo.

                               
Farias de Carvalho.
In: Pássaro de Cinza.