sábado, 30 de julho de 2016

SARAU

SONETOS LIDOS POR MIM NO SARAU EM HOMENAGEM AO DIA DO ESCRITOR.

SER POETA

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
e não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, e ter sede de infinito!
por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
e dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca


VI

Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.

Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola...

Mas nesta rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.

Ele trabalha silenciosamente...
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente...

Mário Quintana

sábado, 23 de julho de 2016

SOBRE POEMAS

Já disse em momentos outros que poema não é um texto qualquer com palavras dispostas de uma forma estranha no papel. É, antes de tudo, o relato de algo muito forte que o poeta sente no devido momento de sua criação.  E Ana Zélia nos dá uma lição Maravilhosa de como surge um poema. Leiam o que ela diz sobre o seu magnífico texto, A Mensagem da Vela:
“-Um dia negro em minha vida. Perdia a última esperança e achava que a morte seria a solução. Acendi uma vela e pedi a Deus forças, rezava em silêncio. A vela queimou, apagava, estava no fim.
De repente ela reacende linda como a lutar pela vida. A lição estava dada. Deus é maior. Mudei modos de vida e venci."

A MENSAGEM DA VELA

É o fim...
Ela tenta, tenta reacender.
Um fiasco de luz azulada que se confunde com o
vermelho do fogo que morre.
Tenta, tenta reacender e fenece...

A vela está no fim.
Uma luz efêmera que se extingue.
Fico horas a vê-la, contemplando a luta entre
a chama acesa e a que se finda.
Há um pouco de cera, parafina e ela tenta,
tenta fazer vibrar o fogo que se esvai.
Morre!
Morre!...

Não! Uma chama renasce, viva, linda,
como a dizer com alegria:
- Não morra! Você precisa viver,
renasça como eu
das cinzas...

Ana Zélia
In: Revista Brasília 
abril/maio 2005.
  

   

sexta-feira, 15 de julho de 2016

POESIAS POLÍTICAS

UM SONETO DE PATATIVA DO ASSARÉ

O Peixe
Patativa do Assaré


Tendo por berço o lago cristalino,
Folga o peixe, a nadar todo inocente,
Medo ou receio do porvir não sente,
Pois vive incauto do fatal destino.

Se na ponta de um fio longo e fino
A isca avista, ferra-a inconsciente,
Ficando o pobre peixe de repente,
Preso ao anzol do pescador ladino.

O camponês, também, do nosso Estado,
Ante a campanha eleitoral, coitado!
Daquele peixe tem a mesma sorte.

Antes do pleito, festa, riso e gosto,
Depois do pleito, imposto e mais imposto.
Pobre matuto do sertão do Norte!


domingo, 10 de julho de 2016

SOBRE POEMAS

Certa feita eu fui convidado para ler poemas num determinado lugar. Como era um ambiente em que não ia com freqüência, e teria por lá um público, pelo menos em sua maioria, novo. Resolvi levar alguns poemas de cunho social. Após a leitura de alguns poemas já conhecidos como aqueles que figuram n’A Quinta Estação, fiz a leitura, enfim, dos sonetos escolhidos por mim para aquela noite. Dentre eles: “Mariposas”, um soneto sobre as prostitutas, e “Feito um filho da puta”, uma crítica sobre o engodo que os operários sofrem na pele, enfim...
O fato é que depois, ouvi críticas de algumas pessoas que me acompanham e estão sempre na plateia: - você não deveria falar palavrão, eu não esperava isso de você. Desde então fiquei inquieto com aquilo tudo. É preciso entender o poeta.
O palavrão só é palavrão quando é dito aleatório, sem direção, quando não tem um endereço. Quando é direcionado, ele deixa de ser palavrão e passa a ter o conteúdo daquela mensagem. Portanto, minha cara, os dois “palavrões” empregados no soneto, apesar de soarem como tal!...
Peço desculpas se decepcionei alguém. Mas sempre vou estar do lado dos menos favorecidos, dos descamisados, dos desdentados, dos descalçados, das prostitutas, dos mendigos, dos mal amados, dos maltrapilhos, dos operários que suam a camisa de sol a sol, dos garis que varrem as ruas, dos jardineiros que embelezam as praças e de todos aqueles que não têm voz e nem vez.

Apanágio

Não sou o poeta certinho, que talvez,
Muita gente pensasse que eu fosse,
Com meus poemas incrivelmente doces,
Pra adoçar os ouvidos de uns três

Gatos pingados que, de quando em vez,
Dão o ar de sua graça, a trouxe-mouxe!
Não sou o poeta que a vida comum trouxe
Para embelezar os sonhos de quatro ou seis...

Eu sou o poeta desses maltratados,
Dos maltrapilhos e dos mal amados,
Que não têm vez, e não há de ter voz!

Eu sou o poeta de todos os mendigos,
Das prostitutas e dos sem abrigo,
Eu sou o poeta sim, de todos vós!

 Miguel de Souza


sábado, 2 de julho de 2016

GRATIDÃO.


Em 1995, eu era um homem com uma indagação. O que fazer com um número considerável de poemas engavetados? Pois havia chegado o momento de expô-los. Mas de que forma? Foi quando, por acaso, descobri numa estação de rádio, uma voz feminina no comando de um programa sobre literatura chamado “Momento Poético”. Fiquei na escuta, embevecido com aquilo tudo. Lá pelas tantas, a voz feminina se coloca a disposição para divulgar poemas dos ouvintes.
Não acreditei! Era a minha chance, enfim, de expor os meus escritos. Passei uma semana me preparando. O programa era aos sábados. Naquela época, um idiota havia ido à TV expor a imagem de Nossa Senhora Aparecida ao ridículo. Como católico/espírita que sou não poderia deixar passar aquilo em branco, e fiz um poema chamado “Acinte a Nossa Senhora”, juntamente com mais dois poemas rabiscados no papel e levei-os até a rádio.
Com um walkman nos ouvidos, fiquei ouvindo o programa na porta da rádio, esperando o seu término, para enfim, conhecer a dona daquela voz feminina e tão maviosa. Quando terminou o programa, dou de cara com uma senhora loira, de olhos esverdeados, e muito educada. Sentamo-nos ali mesmo, no batente da porta da rádio, ela passou a vista nos meus textos e disse que na semana seguinte leria os poemas.
Aí se deu um fato estranho aos meus ouvidos, porque ela me chamou de poeta! Na semana seguinte fui questionar o porquê daquilo tudo. Segundo eu, era para ela me apresentar como um ouvinte que escreve poemas, e não um poeta! Ela me disse: - E quem escreve poemas o que é? Açougueiro, por acaso! Tive que aceitar essa insígnia que até hoje acho uma responsabilidade muito grande.
Bem, daí em diante foram tantos poemas meus lidos que perdi até a conta. Digo que a Ana Zélia me ensinou o caminho das pedras, me encaminhou ao poeta-compositor Everaldo Nascimento com seus projetos literários. Foi quem me descobriu, por isto sou tão grato a ela.
                                                        

 Leiam o que Ana Zélia falou sobre mim em sua página na Usina de Letras.


No programa “Momento Poético” tinha um espaço: DIVULGANDO OS POETAS DA TERRA.
Muitos foram os que procuraram, entre eles, um fiel, Miguel de Souza. Tímido, chegava na rádio antes das 17h. Hora em que eu chegava para apresentar o programa às 18h. Um dia abri o microfone ao Miguel para que ele falasse alguma coisa, ele simplesmente emudeceu. Fora do ar disse ao Miguel que falar era fácil. Uma técnica apenas. A sós você amarra um fio no alto e vai puxando este fio e a cada puxada você fala bem alto uma palavra qualquer. Conta de 3 a 1 e vai, o medo passa, as coisas são superficiais, tudo tem técnica. Acredito que o poeta deva defender seu trabalho. Hoje vejo Miguel declamando firme, sem papel. O nosso tempo passou, ele é jovem, tem espaço pra assumir. Manaus, 23.01.2010 (Ana Zélia)