domingo, 10 de julho de 2016

SOBRE POEMAS

Certa feita eu fui convidado para ler poemas num determinado lugar. Como era um ambiente em que não ia com freqüência, e teria por lá um público, pelo menos em sua maioria, novo. Resolvi levar alguns poemas de cunho social. Após a leitura de alguns poemas já conhecidos como aqueles que figuram n’A Quinta Estação, fiz a leitura, enfim, dos sonetos escolhidos por mim para aquela noite. Dentre eles: “Mariposas”, um soneto sobre as prostitutas, e “Feito um filho da puta”, uma crítica sobre o engodo que os operários sofrem na pele, enfim...
O fato é que depois, ouvi críticas de algumas pessoas que me acompanham e estão sempre na plateia: - você não deveria falar palavrão, eu não esperava isso de você. Desde então fiquei inquieto com aquilo tudo. É preciso entender o poeta.
O palavrão só é palavrão quando é dito aleatório, sem direção, quando não tem um endereço. Quando é direcionado, ele deixa de ser palavrão e passa a ter o conteúdo daquela mensagem. Portanto, minha cara, os dois “palavrões” empregados no soneto, apesar de soarem como tal!...
Peço desculpas se decepcionei alguém. Mas sempre vou estar do lado dos menos favorecidos, dos descamisados, dos desdentados, dos descalçados, das prostitutas, dos mendigos, dos mal amados, dos maltrapilhos, dos operários que suam a camisa de sol a sol, dos garis que varrem as ruas, dos jardineiros que embelezam as praças e de todos aqueles que não têm voz e nem vez.

Apanágio

Não sou o poeta certinho, que talvez,
Muita gente pensasse que eu fosse,
Com meus poemas incrivelmente doces,
Pra adoçar os ouvidos de uns três

Gatos pingados que, de quando em vez,
Dão o ar de sua graça, a trouxe-mouxe!
Não sou o poeta que a vida comum trouxe
Para embelezar os sonhos de quatro ou seis...

Eu sou o poeta desses maltratados,
Dos maltrapilhos e dos mal amados,
Que não têm vez, e não há de ter voz!

Eu sou o poeta de todos os mendigos,
Das prostitutas e dos sem abrigo,
Eu sou o poeta sim, de todos vós!

 Miguel de Souza


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