Este clássico do Modernismo brasileiro, Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade, de Oswald de Andrade, publicado em 1927, além de colocar em xeque o conceito tradicional de livro de poemas, radicaliza procedimentos políticos da vanguarda: o estilo telegráfico e a montagem. Ao publicar o Primeiro Caderno de Poesia do Aluno Oswald de Andrade, ele buscava uma poesia como que feita por criança, uma poesia que visse o mundo com olhos novos.
O livro se apresenta como se fosse efetivamente um caderno de poesias de um jovem estudante. Arabescos, rabiscos, caricaturas são inseridas ao lado de poemas, alguns tão breves e sintéticos que nos dão a impressão de inacabados, de rascunhos ou esboços. No frontispício há a paródia dos ramos de café do brasão nacional, colocando em cada folha o nome de um estado numa divisão silábica por vezes sugerindo o improviso do desenho ou a ingenuidade do jovem poeta. (Amazona-s; Cergipe) ou brincadeiras com nomes dos estados (Goyabada por Gois; Rio Parahyba; L no Piauhi).
Logo após uma página com a suposta identificação de dados do autor-estudante: Escola: pau brasil /Classe primeira/ Sexo: masculino/ Professora: a Poesia. Os determinantes escola, classe, sexo e professora como se fossem dados de uma etiqueta de caderno escolar vimos impresso em tipo de imprensa, ao passo que os dados são colocados como se fossem para reforçar a impressão de um caderno de poesias. No entanto, a escola pau-brasil tem nova amplitude estética, o modernismo Oswaldiano, a classe primeira alude ao sentido inaugural da busca da criação e da originalidade da estética modernista.
No prefácio há o comentário acerca desse menino-experimental, suposto narrador que recupera memórias de uma criança que de fato não existiu. Ao contrário de um narrador que adulto, recupera memórias da infância e as interpreta, aqui, o narrador recria uma criança da ideia do adulto sob uma roupagem da infância.
A criança monta um teatro espacial que ensaia, concomitantemente uma tipografia gestual. Em sua mudez, a ingenuidade se expressa pela performatividade do branco. A grafia de um aluno de poesia guarda-se, assim, em quatro gares locais que se desdobram em tempos: infância, adolescência, maturidade, velhice. A montagem desconjuntada de elementos de infância, os fragmentos de um diálogo - um discurso que não houve - em adolescência, o sobressalto do corte em velhice são co-produzidos pelo branco e pelo gesto de recusa da política maior.
Ao lado de poemas de "As Quatro Gares", pode se colocar os poemas: Meus Sete Anos e Meus Oito Anos em que a picardia em Casimiro de Abreu instaura uma série de oposições como romântico/moderno, rural/urbano, idealizado/dessacralizado, saudoso/irônico. De fato, o livro sugere-se como elemento autobiográfico desse menino experimental, sabe-se que o cojunto de poemas cria uma personagem no poeta adulto, que faz da ingenuidade da fala do menino o artifício para desvelar e ironizar as contrariedades e conflitos do meio social que pretende circunscrever como centro de suas lembranças. Não são lembranças de um autor adulto oriundas de um passado de décadas, mas um menino que se presentifica no instante adulto do escritor.
A infância retratada promove a ruptura com estereótipos da poesia romântica e parnasiana brasileiras, de forma antilírica. A criança e a visão da infância em Oswald está cercada pelos acontecimentos de uma cidade que "progredia". Essa visão de São Paulo, misturada ao tema da infância, fica mais acentuada no poema "Brinquedo", da mesma obra, que alude ao "progresso" da cidade, assinalado pela referência aos bondes da Light, telefones, automóveis e desmetifica a infância paradísiaca dos românticos e mesmo dos parnasianos.
Possível ainda identificar na obra, a prática do pasticho no poema "Balada do Esplanada", que é uma imitação do estilo em regime lúdico. O poeta imita no poema a arte dos menestréis, produzindo uma balada ao estilo das tradicionais, onde insere palavras que apresentam elipses sonoras a exemplo da pronúncia portuguesa: "Antes dir", Eu quria", "minspirar", "splanada".
O eu poético apresenta-se como um menestrel, designação que confirma a intenção de fazer o pasticho das baladas medievais. O termo "balada" nomeia duas formas líricas distintas: uma de origem folclórica que surgiu entre os povos de fala germânica e outra cujo apogeu se deu no século XV, na França.
Neste livro, a política da brevidade Oswaldiana encontra seu ponto máximo de expressão em poemas como velhice (O netinho jogou os óculos/ na latrina), fazenda (O mandacaru espiou a mijada da moça), crônica (Era uma vez/ o mundo), e o conhecido Amor/ Humor, onde a primeira palavra é o título, e a segunda, o poema. A gozação paródica dos cânones da ideologia oficial e do academismo literário está presente em poemas como história pátria (Lá vai uma barquinha carregada/de aventureiros) e balada do Esplanada ( Há poesia/ Na dor/ Na flor/ No beija-flor/ No elevador). O sarcasmo brandido por Oswald, ao golpear nosso provincialismo, o emboloramento mental de nossas elites, preparava o terreno para uma perspectiva utópica, que apontava em direção a uma nova cultura, ao mesmo tempo bárbara e moderna, A ideia (já embrionária na fase pau-brasil) de comer o que há de melhor na civilização ocidental para a elaboração de uma nova sociedade iria inaugirar outra etapa no pensamentoo e na criação artística de Oswald de Andrade: a Antropofagia.
OSWALD DE ANDRADE
A terra antropófaga devorou ontem
em São Paulo
o maior dos Modernistas
o mais pachorrento dentre todos
pobre e sem fama
continuará vivo nos seus livros
na sua forma esparramada
de viver a vida
agora vale a memória
vale a história pastichenta
na maneira léria de viver
minhas condolências ao Brasil
60 anos depois
terça-feira 15 de abril de 2014
Miguel de Souza
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