sábado, 12 de abril de 2014

SOBRE LIVROS

 
ESTREIA

  "A RUA DOS CATAVENTOS", livro de estreia do poeta Mário Quintana, é um livro que gosto muito, primeiro pela estrutura dos poemas, pois o poeta adotou o soneto, essa forma fixa de 14 versos, sendo duas quadras e dois tercetos, tão executado por grandes nomes da nossa literatura. Segundo, a forma com que ele lida com seus sonetos é tão particular, que se formos obedecer à pontuação na leitura que fizermos, em alguns deles, perceberemos que não se trata de sonetos apesar da forma fixa. O que acontece com o soneto XXXI dedicado aVerlaine.
     O poeta do diminutivo: "Dorme, ruazinha... É tudo escuro"... (soneto II). Na minha rua há um menininho doente." (sonetoVI). Avozinha garoa vai cantando/Suas lindas histórias à lareira." (soneto VII). Mostra, com isso um carinho, um zelo todo especial com as coisas, pessoas... Matéria de sua poesia. É como se chamarmos alguém que gostamos muito pelo diminutivo, para demonstrarmos carinho.
     Contrariando, um pouco Cecília Meirelles que disse: "De tanto olhar pra longe, não vejo o que passa perto." O poeta não precisou olhar para tão longe assim, ele apenas abriu a janela que dava para a rua, e de lá, retirou todo o seu cabedal poético para nos deslumbrar com tamanha verve.
     Outra face do livro é a maneira com que o poeta relata sua forma de fazer poesia quase sempre ou sempre dolorosa. Ora ele se assemelha aos "saltimbancos" do circo no jeito de fazer versos, indicando sempre que para ele fazer poesia não é algo fácil e fonte de prazer, mas ao contrário, é esforço dolorido. E. que ao escrever, "vão começar as convulsões e arrancos", (...) ou que se compara ao próprio "Frankstein" (soneto XXVI), o belo monstro ingênuo e sem memória..."
     O poeta assume uma posição marginal, como se fazer versos fosse delito e ele um meliante, por isso as andorinhas dizem: "Olha aí! É o idiota desta aldeia!" Se coloca à margem da sociedade no soneto XI em homenagem a Antônio Nobre, uma de suas grandes afinidades poéticas. E coloca-se numa situação de penúria querendo, ao que me parece, causar dó no leitor. E desabafa no sonetoV quando diz: "Eu nada entendo da questão social", e isola-se ao preocupar-se somente com o que lhe é particular: "E sei apenas do meu próprio mal/ Que não é bem o mal de toda a gente." Em nítido subjetivismo.
     Outro tema recorrente na obra é o da reflexão sobre a morte. vejamos alguns fragmentos de sonetos sobre o tema.

     "Foi minha voz, fantástica e sonâmbula!
     Foi na noita alucinada
     A voz do morto que cantou."

     Por vezes, a morte se converte em interlocutora atraente, na companhia dos ventos:

     "Os ventos vêm e batem à janela:
     A tua vida, que fizeste dela?
     E chega a morte: anda, vem dormir...

     Faz tanto frio... E é tão macia a cama...
     Mas toda a longa noite inda hei de ouvir
     A inquieta voz dos ventos que me chama!...

     A morte é uma velha amiga, como nos versos do soneto XIX, um dos mais belos do conjunto:

     "Minha morte nasceu quando eu nasci,
     Despertou, balbuciou, cresceu comigo...
     E dançamos de roda ao luar amigo
     Na pequenina rua em vivi."

     A concepção da morte como exato correspondente da vida, e, ainda, como um símile das perdas é central na poesia de Mário Quintana. Por isso seu soneto XVII é tão expressivo e já antológico:
 
     "Da vez primeira que me assassinaram
     Perdi um jeito sorrir que tinha...
     Depois, de cada vez que me mataram,
     Foram levando qualquer coisa minha...

     E, assim, segue o poeta até o final da "Rua dos Cataventos", tomando vento no rosto, sob as nuvens em constante movimentação, num passeio poético onde reencontrou velhos camaradas e matou a saudade dos companheiros de sempre.

     Alguns sonetos da "Rua dos Cataventos".

     II

     Dorme ruazinha... É tudo escuro...
     E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
     Dorme o teu sono sossegado e puro
    Com teus lampiões, com teu jardins tranquilos...

    Dorme... Não há ladrões, eu te asseguro...
    Nem guardas para acaso persegui-los...
    Na noite alta, como sobre o muro,
    As estrelinhas cantam como grilos!

    O vento está dormindo na calçada,
    O vento enovelou-se como um cão...
    Dorme ruazinha... Não há nada...

    Só os meus passos... Mas tão leves são
    Que até parecem pela madrugada,
    Os da minha futura assombração...
   

VI

Minha rua está cheia de pregões,
Parece que estou vendo com os ouvidos:
"Couves! Abacaxis! Cáquis! Melões!
Eu vou sair pro carnaval dos ruídos,

Mas vem, Anjo da Guarda... Por que pões
Horrorizado as mão em teus ouvidos?
Anda: escutemos esses palavrões
Que trocam dois gavroches atrevidos!

Pra que viver assim num outro plano?
Entremos no bulício quotidiano...
O ritmo da rua nos convida.

Vem! Vamos cair na multidão!
Não é poesia socialista... Não,
Meu pobre Anjo... É simplesmente a vida!...

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