AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
ANÁLISE
Primeiramente façamos uma ligeira explanação para tentarmos compreender o título, que pode ser visto como um neologismo, já que se trata de uma palavra criada pelo autor. A palavra autopsicografia é a junção de duas palavras: auto: que exprime a noção de próprio, de si próprio, por si próprio; e psicografia: história ou descrição da alma. Seria um tipo de relato do eu interior do poeta.
O poema foi desenvolvido em três estrofes de quatro versos cada, com versos metrificados em redondilha maior, (sete sílabas métricas), com rimas alternadas, (A/B, A/B) (C/D, C/D) (E/F, E/F), e cesuras ora no terceiro, ora no quarto, ora no quinto verso.
Inicia-se o poema com uma metáfora: "O poeta é um fingidor." Quando o significado de uma palavra é atribuída a outra. E através dessa metáfora se desenrola todo o poema, sempre com um dado novo nas estrofes seguintes para o andamento dos fatos. Mas em primeiro plano, vamos nos ater na primeira estrofe, que tem sido pedra de discórdia entre alguns doutos no assunto, e valido ao poeta a alcunha de mentiroso por conta de interpretações errôneas.
Quando Fernando Pessoa conceitua o poeta de fingidor, não está com isso, de maneira alguma, atribuindo ao poeta a condição de mentiroso, de falso ou algo parecido. Mas está dando ao poeta o poder de se colocar no lugar de outrem, de sentir sua dor, para dar vazão ao tema proposto: (...) Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente." E até mesmo, o poeta se confunde com a dor sentida, achando ser a própria dor.
Na segunda estrofe, há o aparecimento de uma terceira figura, o próprio poeta na condição de leitor: " E os que lêem o que escreve/Na dor lida sentem bem" (...) , Que não está nem aí pra sua dor quando poeta, só quer se regozijar com o tema: "Não as duas que ele teve/Mas só a que ele não têm." A única preocupação é com sua dor que não existe, diante de sua grande dor na condição de poeta.
A terceira e última estrofe me parece paradoxal ante a seriedade inicial do poema. Há combinação de palavras inusitadas como calhas/rodas, comboio/corda, e um conceito metafórico de coração, que deixa nas entrelinhas a mensagem de que o poeta trabalha com a dor para entreter. Transforma o pranto em riso, metamorfoseia a tristeza em alegria, o sofrimento em prazer.
FALSA INTERPRETAÇÃO
Escrever um soneto cujo tema,
fuja à profunda veracidade;
onde a patranha com a falsidade,
em cada verso, reine sem problema.
'Ste, com certeza, não é meu dilema;
pois a poesia flerta com a verdade!
E, no poeta, há reciprocidade,
decantado com todo ardor no poema.
Nada dessa interpretação bisonha,
que fazem de maneira muito errônea,
sobre a metáfora do grã Pessoa.
Quando o poeta fala em fingidor,
em fingir, ser mesmo a própria dor,
ele não está falando nada à toa.
Miguel de Souza
O poeta é um fingidor. (A dor e a emoção já não são tão intensas)
ResponderExcluirFinge tão completamente (A razão predomina sobre a afeição, mas)
Que chega a fingir que é dor (Resta sensibilidades para recordações)
A dor que deveras sente. (a razão se esforça p/ superar as emoções)
E os que lêem o que escreve, (Se identificar com o fato )
Na dor lida sentem bem, (Contentar e aceitar os fatos)
Não as duas que ele teve, (A que vivera e a recordação posta no poema)
Mas só a que eles não têm. (Sensibilizar, vivenciar, recordar)
E assim nas calhas de roda (Coisa que serve para conter a sangria)
Gira, a entreter a razão, (Fatos que ajudam a superação)
Esse comboio de corda (Pensamentos que vão e vem, recordações)
Que se chama coração. (Sensibilidades, emoção)
Fernando pessoa quer dizer que o poeta quando escreve apenas recorda, ou seja sua emoção está controlada...
ResponderExcluirporcos
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