Outubro, 5 - No apartamento de Manuel Bandeira, para pedir-lhe autógrafo no álbum de uma amiga de Maria Julieta. Conta-me que recebeu há dias cartas de uma prima freira, na qual se falava de uma santa que teve o coração transverberado (atravessado de luz). A palavra invocou-o, sem que entretanto lhe viesse à ideia fazer um poema de que ela fosse núcleo ou participante. Eis que, domingo, o poeta almoçou "com uma pequena", e depois estiveram em intimidade. Veio-lhe a seguir o estado de modorra, durante o qual compôs mentalmente um soneto, com título e tudo: "O lutador". no dia seguinte, escreveu a peça, mudando-lhe apenas uma palavra. O "coração transverberado" aparece no fecho do soneto; composto todo ele em estado de semiconsciência, não como ato de inteligência, diz Bandeira.
Do livro: "O OBSERVADOR NO ESCRITÓRIO"
De: Carlos Drummond de Andrade
P. 47
O LUTADOR
Buscou no amor o bálsamo da vida,
Não encontrou senão veneno e morte.
Levantou no deserto a roca forte
Do egoísmo, e a roca em mar foi submergida!
Depois de muita pena e muita lida,
De espantoso caçar de toda sorte,
Venceu o monstro de desmedido porte
-A ululante Quimera espavorida!
Quando morreu, línguas de sangue ardente,
Aleluias de fogo acometiam,
Tomavam todo o céu de lado a lado,
E longamente, indefinidamente,
Como um coro de ventos sacudiam
Seu grande coração transverberado!
Manuel Bandeira
Do livro: "BELO BELO"
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