quinta-feira, 5 de setembro de 2013

DE POETA PARA POETA

                                               MANUEL BANDEIRA
                                         
     Nasceu em 1886, no Recife, Manuel Carneiro de Sousa Bandeira, filho de pais abastados (proprietários rurais em declínio).
     Ainda jovem muda-se para o Rio, onde faz seus estudos secundários; transfere-se para São Paulo em 1903, matriculando-se na Escola Politécnica por influência do pai, que o queria arquiteto e até lhe prometera uma viagem à Europa como prêmio.
     A viagem iria acontecer, mas por outra razão, quando, no ano seguinte, Bandeira constata estar com tuberculose pulmonar, doença que modificaria toda a sua vida e o encaminharia para a poesia. Após vários anos em estâncias climáticas no Brasil, segue para um sanatório na Suíça, onde convive com poetas ali internados. Só retorna ao Brasil quando estoura a I guerra mundial, porque o franco suíço dobra de valor.
     Esta é a fase de tédio e sofrimento de sua vida, que se reflete em "Cinza das Horas", sua obra de estreia, publicada em 1917 e custeada pelo próprio poeta.
     Seu segundo livro, "Carnaval", publicado em 1919, agora custeado pelo pai, representa seu primeiro passo para a integração definitiva no movimento modernista de São Paulo.
     A esse livro pertence o poema "Os Sapos", que foi lido na Semana de Arte Moderna por Ronald de Carvalho, e serviu de "hino antiparnasiano":

"O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado, diz:
_Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos."

     Por essa época, Bandeira já teria perdido a mãe (1916), irmã (1918),  o pai e o irmão (1920), passando a morar sozinho no Rio, vizinho do amigo Ribeiro Couto. Desse período o poeta diz o seguinte:
     "O meu apartamento, o andar mais alto de um velho casarão quase roído, era, pelo lado dos fundos, posto de observação da pobreza mais dura e mais valente e, pelo lado da frente, zona de convívio com a garotada sem lei nem rei que infestava as minhas janelas restituindo-me de certo modo meu clima de meninice. Na rua do Curvelo reaprendi os caminhos da infância. "(Itinerário de Pasárgada).

A obra "O Ritmo Dissoluto" (1924) reflete esse período de camaradagem carioca em que Bandeira vivia, fazendo de sua casa ponto de encontro de vários artistas. no exemplar a seguir observa-se a evolução do poeta:

Berimbau

"Os aguapés dos aguaçais
Nos igapós dos Japurás
Bolem, bolem, bolem
_Ui ui ui ui ui! Uiva a iara
Nos aguaçais dos igapós
Dos Japurás re dos Purus."

     Com a publicação de "Libertinagem" (1930), pode-se dizer que o poeta alcançou sua fase definitiva de amadurecimento, no sentido de total liberdade estética e de consolidação de sua temática existencial, incorporada a imagens e cenas brasileiras. Pertence a esta obra a "Poética", um de seus poemas mais expressivos. Veja outro exemplo:

Irene no Céu

"Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
_Licença meu branco!
E S. Pedro bonachão:
_Entra Irene. Você não´
precisa pedir licença."

     Em 1933, Manuel Bandeira é forçado a mudar-se para um pequeno apartamento na Lapa, centro da malandragem carioca e de intelectuais boêmios.
     Publicado nessa época, o livro "Estrela da Manhã" teve pequena tiragem, impressa em papel doado, pois o poeta não encontrou editor. Nele reúnem-se poemas da mais variada temática, desde uma notícia de jornal até uma propaganda de sabonete. A mulher aparece, como sempre, inatingível, preenchendo a imaginação do poeta, de forma viril e carnal, porém longe de ser vulgar:

Estrela da Manhã

"eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã.

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda parte.

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã.


     Em 1940, publica "Lira dos Cinquent'Anos, onde continua sendo um poeta livre de convenções, porém recupera a métrica e a rima, associando a sonoridade exata da palavra à fluidez musical do ritmo.
     O poema "A Última Canção do Beco", que faz parte dessa obra, foi escrito intuitivamente, durante um trajeto percorrido pelo poeta, enquanto estava num bonde até voltar a sua casa. A respeito do poema, o poeta declarou: "... e fiquei espantadíssimo ao verificar que o poema se compusera, à minha revelia, em sete estrofes, de sete versos, de sete sílabas".

"Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais.
És como a vida, que é santa

Pesar de todas as quedas
Por isso te amei constante
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!"

     Ainda em 1940, o poeta foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Viveu ainda muitos anos, sempre à espera da morte, publicando até dois anos antes de sua morte (Estrela da Vida Inteira 1966).



Leia o poema que Carlos Drummond de Andrade escreveu em homenagem a Manuel Bandeira:

Declaração a Manuel

Teu verso límpido, liberto
de todo sentimento falso;
teu verso em que amor, soluçante
se retesa e contempla a morte
com a mesma forte lucidez
de que soube enfrentar a vida;
teu verso em que deslizam sombras
que de fantasmas se tornaram
nossas amigas sorridentes,
teu seco, amargo, delicioso
verso de alumbramentos sábios
e nostalgias abissais,
hoje é nossa comum riqueza,
nosso pasto de sonho e cisma:
ele não te pertence mais.

      Carlos Drummond de Andrade

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