OS NONATOS
Nunca tinha
ouvido alguém falar mal do Drummond... Mas outro dia, ouvindo Os Nonatos, uma
dupla de cantadores nordestinos, na sextilha: “Vou morrer discordando”, lá
pelas tantas, Nonato Costa me saiu com esta:
“Eu discordo
muito mais,
De quem quer
passar pra massa
Que os poemas de Drummond
Tinham
poesia e graça
Quem acha
que aquilo é luxo
Pra mim de
lixo não passa.”
Bem,
acredito que os poetas nordestinos, eu já falei isso por aqui, são os melhores
que há. Mas acredito também, que o alvo dessa crítica não foi o Drummond, e,
sim, a poesia que “alguns” sulistas praticaram e vêm praticando no decorrer do
tempo. Aquela poesia sem métrica e sem rimas, a chamada de versos brancos e
livres. Aí, nada mais justo de você escolher, até para chamar a atenção, o nome
mais propalado dentre todos eles, o de Drummond!
Mas a poesia
é profunda sendo ela metrificada ou não, rimada ou não. Vejamos o que fala o
próprio Drummond sobre poesia numa entrevista dada por ele: “Entendo que poesia
é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta
quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada
de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos
cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até
os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações
fáceis, dócil às modas e compromissos.”
Num estudo
sobre o livro “A rosa do povo”, Affonso Romano de Sant’Anna, dá uma ligeira
explicação sobre o sonetilho Áporo, olhem só: gostaria de chamar a atenção, por
exemplo, para um sutil e pequeno poema, na verdade, um sonetilho, chamado ‘Áporo”:
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh, razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclediana,
uma orquídea forma-se.
Parece enigmático à primeira leitura. Descobrindo-se, no entanto, que “áporo”
é uma palavra que tem três significados: é o nome de um inseto, tipo de
escaravelho que cava terra adentro; é também um teorema sem solução e, enfim, o
nome de uma orquídea, o texto começa a se esclarecer.
Como um inseto, um ser minúsculo, gauche, acostumado à escuridão, onde
noite, raiz e minério se entrelaçam, o indivíduo encontra-se numa situação
labiríntica, aporética. Mas é cavando, a despeito da irracionalidade da vida e
dos fatos, é lutando contra a treva, contra a aporia, contra os teoremas da
razão, que, antieuclidianamente, a orquídea (ou indivíduo), enfim, se forma.
Como se vê, a temática da flor está aí subjacente.