Estava com vontade de
escrever, mas não sabia o quê. Se poema, ou alguma coisa em prosa para o
regozijo momentâneo. E se fosse poema, o que seria? Haicai? Soneto? E se
soneto, que tipo de soneto? Italiano ou inglês? Talvez um poema minimalista que
tanto gosto? Ou uma balada que tenho muita dificuldade em compor? Devo ter uma
meia dúzia que nunca mostrei a ninguém. Só sei que estava com uma vontade
imensa de escrever.
Então, fui ao
computador. Primeiro pensei num soneto italiano, mas só pensei sem tentar um
verso sequer. Seria improvável. Depois arrisquei uma palavra de um pretenso
verso em prosa para Hilda Furacão que havia falecido em terras estranhas. Sem
muito sucesso, a ideia de um haicai passou longe de mim naquele momento. Um indriso
talvez? Mas indrisos são bem humorados e não estou de bom humor ultimamente.
Berceuse? Não tenho criança alguma para ninar. Rondel? Tenho tão poucos. Melhor
não.
Que tal me aventurar
na prosa? Já que sou o autor de um único conto até agora: “O homem que chovia
dinheiro”, que cometi o disparate de extraviá-lo, e não sei cadê. Já revirei o
mundo atrás e nada! Ou quem sabe uma crônica? Não, acho que não me atreveria,
sei lá! Podem mangá de mim. Mas o que faço com essa vontade de escrever, sem
saber ao certo o quê?
Espera lá! Só sei que
não quero me estender muito. Já é alguma coisa. Temos uma pista sobre o texto
prematuro que quer vir à tona. Sim, é curto e em prosa. O quebra-cabeça está se
formando... E pode ser dessas experiências novas, como um microconto, por
exemplo.
Então vamos a ele:
Era tarde, chovia em
mim... -Na manhã vindoura farei tua canção que se prepara há muito sem pressa
alguma. Cristina Beatriz, a Cris Bel era toda sol naquela madruga de novembro.
Gostava dela, porque ela vinha junto sem pudor! Remava firme contra a
correnteza. “Mais uma dose/ é claro que eu também tô a fim/ a noite nunca tem
fim” [...] Cazuza cantava no velho quarto emprestado por um amigo.
-Amanhã te celebro num
poema. -Mais um... -Já são quantos mesmo? -Ah, não sei! Com esse acho que uns
quinze. -Puxa! -Você merece. -Em quase todos revelo teu nome. -Sou
transparente. Ao levantar-se pela manhã, Cris Bel deixou uma frase na porta da geladeira:
“o amor é uma franja azul”. Foi mais um verso de um poema meu dedicado a ela.
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