Julho, 19 - Na livraria José Olympio, a conversa com Órris Soares recai sobre Da Costa e Silva, falecido há pouco. pergunto-lhe se conheceu o poeta, e ele responde:
- Fomos amigos e contemporâneos no Recife. Em 1906 ou 7, presenciei uma cena que jamais contei a ele. Naquele ano passaram pelo Recife três celebridades a bordo de um navio que vinha da Europa e seguia para Buenos Aires. A primeira era um cavalo de raça, que custava 800 contos de réis. A segunda era Sarah Bernhardt, ainda sem perna artificial, pois a amputação se deu em 1915. E a terceira era Olavo Bilac. Então, disse-me o diretor do Jornal Pequeno. "Seu Órris, você que arranha francês, vá a bordo e procure entrevistar a divina Sarah." "Pois não." Entrei no navio e barraram-me o acesso à atriz. Insisti, e o secretário foi inflexível. Desanimado, tentei ver o cavalo. Mas ele também estava rodeado de admiradores e cuidados, e não pude aproximar-me. Restava o poeta. João do Rio, também de passagem pelo Recife, e a quem eu já conhecia do Rio de Janeiro, levou-me até ele. Estávamos os três conversando quando chegou um rapaz de olhos divergentes e disse a Bilac: "Mestre, eis aqui o meu livro Sangue, que acacba de aparecer. "Disse mais duas ou três palavras e retirou-se, deixando o volume nas mãos dele. Bilac adiantou-se, ergueu a mão e, dizendo: "Poetas e bananas só produzem doenças no Brasil", lançou o livro ao mar.
De passagem, retifico que o fato deve ter ocorrido em 1908, ano de publicação de Sangue.
- Em 1915 - prossegue Órris - publiquei uma peça de teatro, A Cisma. Peguei alguns exemplares e fui oferecer aos grandes do tempo. Encontro Bilac na rua e entrego-lhe o volume. Ele recebe amavelmente e diz: "Vou ler este seu livro com o mesmo apreço e simpatia que li os anteriores..." Eu nunca tinha publicado nada antes.
- Em 1917, plena guerra européia, estávamos Paulo da Silveira e eu na Lopes Fernandes - uma casa de refresco que havia na Avenida Rio Branco. Chega Bilac, e Paulo convida-o para sentar-se à nossa mesa. Ele aceita, e Paulo interpela-o sobre a guerra. "Não me fale de guerra, se por acaso você for partidário da Alemanha", retruca o poeta. "Eu detesto a Alemanha. Detesto Goethe, detesto Wagner, detesto chucrute...".
Última e implacável revelação de Órris sobre o Príncipe dos Poetas:
- Um dia, eu e Heitor Lima conversávamos sobre Augusto dos Anjos, de cuja morte eu acabara de ter notícia por um telegrama. Aparece Bilac e pergunta sobre o que estávamos falando. Heitor conta-lhe que era sobre a morte do poeta Augusto dos Anjos. "E que poeta era esse?", indaga Bilac. Como resposta, Heitor diz um poema de Augusto. Bilac ouve e comenta: "Pois eu acho que ele devia ter morrido antes de escrever uma barbaridade dessas."
Carlos Drummond de Andrade
In: O Observador no Escritório
P. 90/91
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