sábado, 11 de novembro de 2017

Dezembro, 29

- Esse diabo de Baudelaire, dizendo que a inspiração consiste em trabalhar todo dia. E onde fica a minha preguiça de intelectual, que se imagina produtora de grandes obras quando a inspiração for servida?

Carlos Drummond de Andrade
In: O observador no escritório
P. 64


 A MUSA VENAL

Ó musa de minha alma, amante dos palácios,
Terás, quando janeiro desatar seus ventos,
No tédio negro dos crepúsculos nevoentos,
Uma brasa que esquente os teus dois pés violáceos?

Aquecerás teus níveos ombros sonolentos
Na luz noturna que os postigos deixam coar?
Sem um níquel na bolsa e seco o paladar,
Colherás o ouro dos cerúleos firmamentos?

Tens que, para ganhar o pão de cada dia,
Esse turíbulo agitar nas sacristias,
Entoar esse Te Deum que nada têm de novo,

Ou, bufão em jejum, exibir teus encantos
E teu riso molhado de invisíveis prantos
Para desopilar o fígado do povo.

Charles Baudelaire
In: Las flores del mal (As flores do mal)

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