O haicaista deve estar sempre atento às coisas da natureza.
Pois a qualquer momento poderá ser brindado com esta arte criada pelos
japoneses, mas não deve ir de encontro a ele, como se percebe em alguns. O
haicai acontece naturalmente e deve ser captado pelo haijin no momento exato.
Por exemplo: certa feita vinha eu de moto num lugar onde havia muitas
mangueiras e vislumbrei a queda de uma manga a se espatifar no chão, de súbito
o haicai se apresentou a mim:
Dura recepção:
A manga madura sangra
No
asfalto do chão.
Outro dia presenciei uma cena que estava adormecida dentro de
mim. A libélula se contorce e fica igualmente a um “c”, para molhar a sua
cauda. Quantas vezes fui testemunha desse episódio no meu tempo de guri, e
tinha me esquecido de tal alumbramento. Ao perguntar sobre o porquê daquele
movimento, responderam-me que ela estava lavando a bunda. Pronto, o haicai
estava feito.
Libélula afunda
A cauda n’água! E o homem malda:
-Tá lavando a bunda!
N’outra ocasião, assistindo a um
documentário, mais uma cena adormecida despertou em mim um haicai. O galho da
árvore tremendo após o voo do pássaro. Como um garoto interiorano, foram muitas
as vezes que presenciei tal cena. Mais uma vez sou brindado pela natureza com mais um haicai.
Galho treme após
Galho treme após
O vôo do
silente pássaro.
Momento sublime!
Estou contando essas coisas porque
esta semana fui testemunha de mais uma cena que me sugeriu um haicai. Assisti a
queda de um cupuaçu e fiquei ali, contemplando o balançar do galho. Algo ao
alcance de qualquer ser humano, mas só o poeta ou o haijin, que olha pra tudo
com um olhar diferente, pode captar disso tudo poesia ou haicai.
Balançar de galho:
No vão entre árvore e chão,
Cupu sem atalho.
Miguel de Souza
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