sábado, 25 de março de 2017
FRUTAS DA MINHA INFÂNCIA
JENIPAPO
Na árvore desconforme,
de pele cinza, enrugado,
soturnamente, ele dorme
no galho dependurado.
Reina assim o jenipapo,
fruta gostosa da infância,
com toda sua substância,
para nutrir todo o papo
daqueles que, iguais a mim,
saboreiam o seu sumo.
Pois, neste soneto assumo,
e brindo com um tintim,
a sua existência, oh, fruta
que meu paladar desfruta.
Miguel de Souza
in: Chibé na cuia
sábado, 18 de março de 2017
O ABRAÇO
Um abraço apenas, quem me daria?
O vento que me acaricia o rosto, os sonhos que transportam aos lugares mais longínquos do planeta?
Os filhos que coloquei no mundo.
Os fantasmas que cruzaram e sombreia meus caminhos?
Não sei. Qualquer resposta seria inepta, faltariam argumentos convincentes.
Passei dos trinta, sessenta, caminho a passos largos aos noventa.
No outono da vida, a natureza começa a traçar novos riscos, marcas; sulcos mais
profundos vão ficando na pele flácida.
Somos árvores envelhecidas, corroídas pelos cupins, aguardando um vendaval mais forte para
tombá-las, deixando à mostra suas raízes.
Sinais do tempo.
Algumas pelo nome e qualidade da madeira sobrevivem em peças mortas, entalhadas; outras queimarão nas caieiras, caldeiras, transformadas em carvão de pedra ou pó...
E o abraço? Este ato tão simples e importante.
Ficará para um futuro.
BEM MAIS DISTANTE.
Ana Zélia
P.S.: Para relembrar a minha querida amiga Ana Zélia, uma das mulheres mais dignas que conheço. Compactuo contigo deste sentimento, a falta de um abraço é algo que também sinto. Não foi à toa que escrevi também o meu POEMA DO ABRAÇO, e, numa crítica, abraço todos os personagens criados por mim, na ausência de um verdadeiro abraço.
sábado, 11 de março de 2017
O ACENDEDOR DE LAMPIÕES
Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!
Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.
Triste ironia atroz que o senso humano irrita:-
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.
Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!
Jorge de Lima
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!
Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.
Triste ironia atroz que o senso humano irrita:-
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.
Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!
Jorge de Lima
sábado, 4 de março de 2017
DOIS SONETOS PARECIDOS
No soneto XXI da Rua
dos Cataventos, Mário Quintana dedica um soneto aos seus amigos mortos. Um
tanto trágico, não fosse a beleza com que o poeta encara o tema. Quintana tem
muito disso, falar das coisas trágicas de uma forma tão doce que encanta a
todos.
XXI
Para os amigos mortos
Gadêa... Pelichek... Sebastião.
Lobo Alvim... Ah, meus velhos camaradas!
Aonde foram vocês? Onde é que estão
Aquelas nossas ideais noitadas?
Fiquei sozinho... Mas não creio, não,
Estejam nossas almas separadas!
Às vezes sinto aqui, nestas calçadas,
O passo amigo de vocês... E então
Não me constranjo de sentir-me alegre,
De amar a vida assim, por mais que ela nos minta...
E no seu romantismo vagabundo
Eu sei que nestes céus de Porto Alegre
É para nós que inda S. Pedro pinta
Os mais belos crepúsculos do mundo!...
Mário Quintana
In: Rua dos Cataventos
P. 39
Em Caminhos da Alma,
Almir Diniz dedica um soneto aos seus amigos boêmios da cidade. Em tom nostálgico,
o soneto de Diniz não chega a ser tão trágico como o de Quintana. Mas achei
deveras parecido ambos por se tratar do mesmo tema, a saudade.
BUSCA
Aos boêmios da Cidade, representados por
Iran Caminha, J. Corrêa Lima, Chico Veiga.
Onde andam tantas lindas madrugadas,
Cheias de amor, de cores, de ternuras?
Tantas manhãs de luz e tantas juras,
Tantas noites febris... e as luaradas?
Onde andarão os velhos camaradas
Partícipes fiéis das aventuras
Nos botequins da vida, das loucuras...
Dos serões, violões, e das rodadas?
Rebusco no escaninho da memória
Os elos esquecidos dessa história
Vivida entre os boêmios da Cidade...
E só o que vem são sons de beijos,
De flautas, cavaquinhos, realejos,
De copos, de canções... e de saudade!
Almir Diniz
In: Caminhos da Alma
P: 49
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