sexta-feira, 24 de outubro de 2014
SOBRE LIVROS
Leitura finda de: "MARARI, A PRINCESINHA DOS MANAUS", de Albertina Costa Rego de Albuquerque que tive a honra de conhecer, já idosa, nas reuniões dos Poetas Emergentes. Um romance indispensável na estante de qualquer manauara que seja dado a leituras, porque conta a história do surgimento desta Manaus em que vivemos. O livro em questão data de 1972, e está pedindo uma nova reedição pela qualidade da obra.
Numa terra em que só se falam em duas mulheres beletristas e soterram, não sei por que cargas d'água, as outras. Albertina Costa Rego de Albuquerque tem nome seguro entre as duas mais afamadas desta terra, assim bem como, Lybia Ventania, Ana Zélia da Silva e outras mais.
"Nada nas conquistas de Portugal é mais extraordinário do que a conquista do Amazonas". Joaquim Nabuco. (Epígrafe)
"Aconteceu, porém, o inesperado. Cupido entrou em cena. Flexou corações e desse modo criou novas condições para o estado de espírito coletivo. O sargento Guilherme Valente, da guarnição do Fortim de São José, à cuja sombra nasceu Manaus, uniu-se a uma cunhã da região, pondo termos aos conflitos e autorizando o início da fase de compreensão e de cooperação mútuas". Explicava Arthur Cezar Ferreira Reis, no prefácio do livro.
Cap. 28
(...)- A propósito, Guilherme, quero lhe dizer, temos que arranjar um nome para nosso povoado. Nas minhas correspondências, uso assim, casa Forte de São José do Rio Negro, mas isto não está certo, Casa Forte é só o Quartel. É muito vago, isso aqui não compreende mais apenas o Fortim. É grande povoação.Quem está lá do outro lado, pode pensar que existe aqui apenas a Fortaleza com meia dúzia de homens, dentro. Os Missionários que vêm aqui, e as canoas de tropa de resgate usam denominações várias. É "Lugar da Barra", "Barra", "Barra do Forte", "Ponta do Forte", "Barra do Rio Negro". Confusão. Devemos usar um nome só, e que lembre nosso esforço, a nossa liderança. Esta aldeia é nossa, é nosso trabalho, nossa obra, a ela estamos dando toda a nossa vida, viemos jovens, e estamos ficando velhos, nossos companheiros ficaram sacrificados aqui.
- Sabe, devemos dar o nome de cidade dos "Manaus" é muito justo, principalmente, agora que há a tribo dos Passés, dos Banibas e dos Barés, e gente de malocas diversas, morando aqui. Os Manaus devem ter a primazia porque foram os que de fato nos ajudaram e nos deram credenciais para fazer amizades com outras clãs. O povo manau é de fato nosso amigo. (...)
Cap. 30
Guilherme narra a Manaus do futuro. A Manaus que conhecemos, ou que viríamos a conhecer: estou vendo no casario que se derrama aí fora nessas ondulações, uma cidade encantadora. Prédios de alvenaria, altos, muitos andares, alvinhos de cal, enfeites, vidraças, monumentos. Ruas calçadas, alegria, animação, carruagens, sol coruscante, jovens casais passeando, esquinas de comércio movimentado. Uma lindeza! E a eterna cobiça dos outros povos, porque isso aqui, é de verdade, a Terra da promissão.
Maria fitou o esposo com os olhos esbugalhados.
- Meu Deus! Está variando, meu pai está muito doente.
Nunca vi papai delirar. Onde está mamãe? Mamãe...
-É certo, estou vendo, concluiu Guilherme com a voz arrastada, - estou vendo uma coisa maravilhosa, a minha cidade.
Maria cobria o rosto com as mãos, chorando desesperadamente.
Guilherme calou-se. Com os olhos muito abertos, permanecia sereno, numa imobilidade de pedra. O genro segurava-lhe o pulso.
Morria assim, suavemente, diante das duas filhas prediletas - Maria, o primeiro rebento de seu corpo, e, de sua alma, a obra-prima, MANAUS.
domingo, 19 de outubro de 2014
CURIOSIDADE LITERÁRIA
Manuel Bandeira e Luiz Bacellar tiveram a mesma ideia, ambos traduziram o haicai de Bashô. Vejam como ficou na tradução de Bandeira:
Quimonos secando
ao sol. Oh aquela manguinha
da criança morta!
E agora observem a de Bacellar:
Kimonos ao sol.
Agitou-se a manga
Do menino morto.
Pode-se perceber que Bandeira foi fiel à métrica do haicai com as 17 sílabas. O que não se observa em Bacellar. Mas ambos não perderam a originalidade.
Quimonos secando
ao sol. Oh aquela manguinha
da criança morta!
E agora observem a de Bacellar:
Kimonos ao sol.
Agitou-se a manga
Do menino morto.
Pode-se perceber que Bandeira foi fiel à métrica do haicai com as 17 sílabas. O que não se observa em Bacellar. Mas ambos não perderam a originalidade.
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
HOMENAGEM
Há 15 anos o Brasil perdia um dos seus maiores nomes na literatura, o poeta João Cabral de Melo Neto. Dono de um estilo único se dizia odiar os decassílabos pelo fato de ter que ouvir todos os dias sonetos lidos na escola. Quando se descobriu poeta, pode perceber que poderia criar uma obra em que cada verso valesse um soneto. Talvez, por isso, sua obra é tão singular.
Nasceu no Recife, a 6 de janeiro de 1920, filho de Luiz Cabral de Melo e de Carmem Carneiro Leão Cabral de Melo, de antigas famílias de Pernambuco e Paraíba. Pelo lado paterno é quarto neto de Antônio de Moraes e Silva, o Moraes do dicionário, e primo de Manuel Bandeira e Mauro Mota. Pelo lado materno é primo de Gilberto Freyre e do historiador José Antônio Gonsalves de Melo. Foi eleito por unanimidade para Academia Brasileira de Letras em 1968, na vaga de Assis Chateaubriand.
Obras do autor:
Pedra do sono (1940-1941)
O engenheiro (1942-1945)
Psicologia da composição (1946)
O cão sem plumas ( 1949-1950)
Paisagens com figuras (1954-1955)
Uma faca só lâmina (1955)
Quaderna (1956)
Serial (1959-1961)
A educação pela pedra (1962-1965)
POÉTICA
Pro João Cabral de Melo Neto
No espelho branco
seu verso franco
desenha a imagem
em paralaxe
do torso tempo:
anticrástino
e face vária
amplo templo.
No espelho franco
seu verso nácar
lavou o rosto
sem ter disfarce
e criou asas
e bateu asas
e voou longe
nas asas do tempo...
Miguel de Souza
segunda-feira, 6 de outubro de 2014
IPÊS
Os ipês estão todos floridos, lindos ornando a floresta, a cidade. Em setembro adentrando outubro, pelo menos em Manaus, eles dão o ar de sua graça, e infestam as nossas retinas com suas cores belíssimas. Parabéns a quem tem a sensibilidade de perceber sua presença. O poeta que tem o dom de transformar a natureza em versos não ficou de fora dessa, e Carlos Drummond de Andrade, preparou uma justa homenagem a esse tempo... Tempo de ipê.
TEMPO DE IPÊ
Não quero saber de IPM, quero saber de IP.
O M que se acrescentar não será de militar,
Será de Maravilha.
Estou abençoando a terra pela alegria do ipê.
Mesmo roxo, o ipê me transporta ao círculo da alegria,
onde encontro, dadivoso, o ipê-amarelo.
Este me dá as boas-vindas e apresenta:
-Aqui é o ipê-rosa.
Mais adiante, seu irmão, o ipê-branco.
Entre os ipês de agosto que deveriam ser de outubro
Mas tiveram pena de nós e se anteciparam
Para que o Rio não sofresse de desamor, tumulto, inflação, mortes.
Sou um homem dissolvido na natureza.
Estou florescendo em todos os ipês.
Estou bêbado de cores de ipê, estou alcançando
A mais alta copa do mais alto ipê do Corcovado.
Não me façam voltar ao chão,
Não me chamem, não me telefonem, não me dêem dinheiro,
Quero viver em bráctea, racemo, panícula, umbela.
Este é tempo de ipê. Tempo de glória.
Carlos Drummond de Andrade.
In: Amar se Aprende Amando.
HAICAIS
É tempo de ipê:
Que belo, o ipê-amarelo
contemplo do apê.
Aquele é o ipê-rosa Que infesta toda a floresta
cena dadivosa.
É a vez do ipê-roxo
Que encena uma bela cena
Pesar do tom coxo.
Agora o ipê-branco
Invade assim a cidade
Com tom lindo, franco.
Miguel de Souza
TEMPO DE IPÊ
Não quero saber de IPM, quero saber de IP.
O M que se acrescentar não será de militar,
Será de Maravilha.
Estou abençoando a terra pela alegria do ipê.
Mesmo roxo, o ipê me transporta ao círculo da alegria,
onde encontro, dadivoso, o ipê-amarelo.
Este me dá as boas-vindas e apresenta:
-Aqui é o ipê-rosa.
Mais adiante, seu irmão, o ipê-branco.
Entre os ipês de agosto que deveriam ser de outubro
Mas tiveram pena de nós e se anteciparam
Para que o Rio não sofresse de desamor, tumulto, inflação, mortes.
Sou um homem dissolvido na natureza.
Estou florescendo em todos os ipês.
Estou bêbado de cores de ipê, estou alcançando
A mais alta copa do mais alto ipê do Corcovado.
Não me façam voltar ao chão,
Não me chamem, não me telefonem, não me dêem dinheiro,
Quero viver em bráctea, racemo, panícula, umbela.
Este é tempo de ipê. Tempo de glória.
Carlos Drummond de Andrade.
In: Amar se Aprende Amando.
HAICAIS
É tempo de ipê:
Que belo, o ipê-amarelo
contemplo do apê.
Aquele é o ipê-rosa Que infesta toda a floresta
cena dadivosa.
É a vez do ipê-roxo
Que encena uma bela cena
Pesar do tom coxo.
Agora o ipê-branco
Invade assim a cidade
Com tom lindo, franco.
Miguel de Souza
quarta-feira, 1 de outubro de 2014
POEMICROS
cobrança
não se cobra
da cobra
aquele que é um primordial
ofício das aves:
voar!
relógio
o tic-tac
da engrenagem
dita a norma do tempo:
passar!
ampulheta
pingar de luzes efêmeras
-grão ante grão-
que se liquefazem diásporas
no vão tempo
sonoro!
balanço
me balanço
no balanço
e o balanço
me balança
o balanço
do tempo
ceifa II
despetalei flores
na certeza
de um bem-me-quer
e o tempo choveu-me dúvidas!
Miguel de Souza
não se cobra
da cobra
aquele que é um primordial
ofício das aves:
voar!
relógio
o tic-tac
da engrenagem
dita a norma do tempo:
passar!
ampulheta
pingar de luzes efêmeras
-grão ante grão-
que se liquefazem diásporas
no vão tempo
sonoro!
balanço
me balanço
no balanço
e o balanço
me balança
o balanço
do tempo
ceifa II
despetalei flores
na certeza
de um bem-me-quer
e o tempo choveu-me dúvidas!
Miguel de Souza
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