Évora
Évora! Ruas ermas sob os céus
cor de violetas roxas... Ruas frades
pedindo em triste penitência a Deus
que nos perdoe as míseras vaidades!
Tenho corrido em vão tantas cidades!
E só aqui recordo os beijos teus,
e só aqui eu sinto que são meus
os sonhos que sonhei noutras idades!
Évora!... O teu olhar... o teu perfil...
Tua boca sinuosa, um mês de Abril,
que o coração no peito me alvoroça!
...Em cada viela um vulto dum fantasma...
E a minh'alma soturna escuta e pasma...
E sente-se passar menina e moça...
Florbela Espanca
In: Reliquiae (1931)
Nihil novum
Na penumbra do pórtico encantado
de Bruges, noutras eras, já vivi;
vi os templos do Egito com Loti;
lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.
No horizonte de bruma opalizado,
frente ao Bósforo errei, pensando em ti
o silêncio dos claustros conheci
pelos poentes de nácar e brocado...
Mordi as rosas brancas de Ispaã
e o gosto a cinza em todos era igual!
Sempre a charneca bárbara e deserta,
triste, a florir, numa ansiedade vã!
Sempre da vida - o mesmo estranho mal,
e o coração - a mesma chaga aberta!
Florbela Espanca
In: Reliquiae (1931)
De Évora a Bósforo
Entre dois sonetos
Frente ao Bósforo eu também errei...
Provindo de Évora, erma cidade,
com ermas ruas onde a felicidade
abriu-me os braços para o amor... e eu amei!
Tê-la nos braços... tudo que sonhei...
Pesar mesmo de minha pouca idade,
e de adentrar as portas da vaidade:
rua roxa que, de salto, derrapei!
Na ausência de um isqueiro. Pego um fósforo
p'ra alumiar a frente de Bósforo,
mas o horizonte agora o ilumina...
E, nessa mesma rua erma de outrora,
em que a via desfilar. A vejo agora:
- só que não és mais aquela menina!
Miguel de Souza
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