POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do
amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero saber do lirismo que não é libertação.
Manuel Bandeira
In: Antologia Poética
José Olympio - editora
POÉTICA
Estou de saco cheio da poesia metida a besta
com nota de rapapé
arcabouço teórico
prefácio
e posfácio
Estou de saco cheio da poesia marginal publicada pela
[imprensa oficial
Da poesia que treme diante de um travessão e de um
[ponto-e-vírgula
Estou de saco cheio da poesia que tem medo de pôr o
[dedo na ferida
Todas as palavras inclusive morte amor ciúme
Todas as construções inclusive as sextinas os acrósticos
[e os decassílabos
Abaixo a tirania do verso-livre
Abaixo as revoluções segundo a receita
Estou de saco cheio da poesia asséptica
exegética
disléxica
anoréxica
Da poesia politicamente correta e poeticamente abjeta
De resto pode até ser poesia
(pra isso servem os carimbos e atestados da academia)
Mas lirismo não rima com chatice
e pra ser lúdico não precisa ser estúpído
- Não quero saber da poesia sem ritmo e sem sangue
Marco Catalão
In: Palimpsestos
P: 47
*Caricatura compilado do site Caricatura Brasil.
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