Sou um sujeito que nunca escreveu um
poema. Nunca me sentei para escrever um poema. Todas as vezes que me pego
escrevendo algo, não estou compondo um poema, estou me exercitando. E se esse
exercício chega a algo parecido com um poema é deveras interessante.
Existem rascunhos de poemas em folhas
soltas dentro de livros, nos cadernos da época da escola, faculdade, enfim...
Agora, na era do computador, eles migraram para lá, basta um clique e pronto,
surgem à minha frente centenas de sonetos ou exercícios de sonetos feitos ali
mesmo. Sem a menor pretensão de coisa alguma.
Ontem mesmo, estava num desses
exercícios, talvez para preencher alguma lacuna dentro de mim, não sei. Só sei
que como uma conversa puxa outra, um verso pede outro, e assim acontecem os
textos. Mas os textos acontecem mesmo muito antes de irem deitar-se nas folhas
dos cadernos, ou na tela dos computadores, como queiram. Ou surgem de uma
conversa com alguém, ou de uma reportagem, enfim, dos acontecimentos mais
estapafúrdios podem surgir um poema.
Por exemplo: ao assistir uma reportagem
num determinado veículo televisivo, o repórter mostrava uma cidade em que os
homens estavam saindo para outros lugares, exatamente porque lá, nessa
cidadezinha, não havia mulheres suficientes para eles. Achei que isso daria um bom enredo para um
poema. Coloquei-me no lugar de um daqueles homens, para dar vazão ao tema e
surgiu um soneto que intitulei de “A chave”. Uma abordagem sobre um homem que
nunca teria dado um beijo.
Eis o soneto:
A CHAVE
Nunca pousou na minha boca um beijo
Que trouxesse junto a ele alguma língua!...
E toda essa necessidade à míngua,
Nunca matou, enfim, esse desejo!
Seja por timidez... quiçá por pejo,
Mas nunca pousou nesta boca outra
língua!...
Tudo isso me incomoda igual a uma íngua
Dorida! E com vergonha já me vejo!
Por nunca ter sentido esse sabor,
Da chave dessa porta para o amor,
Que é o ósculo num momento de ternura...
Já me vejo com a paciência extinta,
Por ter passado há muito dos meu trinta,
e
Nunca ter dado um beijo! Que loucura!
Miguel de Souza
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