sábado, 25 de junho de 2016

CURIOSIDADE LITERÁRIA

Estávamos assistindo a uma palestra da Quarta Literária, quando havia Quarta Literária na Livraria Valer. Eu e Pollyanna Furtado. Naquela ocasião quem palestrava era Jorge Bandeira. Quando foi pedido para a plateia formular perguntas ao palestrante...
A Quarta Literária era um evento que acontecia sempre às quartas-feiras na Valer, onde se reunia a nata da literatura Amazonense. Tinha por finalidade aproximar os escritores dos leitores, e formar com isto uma nova geração de escritores, como de fato aconteceu, surgiu daí o CLAM: Clube Literário do Amazonas com 10 anos de jornada ininterrupta.
... Pollyanna Furtado, uma jovem poeta, atriz e professora universitária, de súbito ao meu lado começa a escrever incessantemente! Preocupei-me em não interrompê-la, achando eu que estaria a formular pergunta ao Jorge. Engano d’alma. Naquele momento à minha revelia, surgia um dos poemas mais belos desta talentosa poetisa: “Por um fio”. Este poema figura no seu livro “SIMETRIA DO CAOS”. Mas tarde, na praça, como se não bastasse ter assistido ao seu parto, tive a honra de ouvi-la declamando-o. Ao perguntar se era sempre daquela forma que surgia os poemas, respondeu-me que sim. -Depois eu ajeito melhor, dou uma olhada, troco uma ou duas palavras e pronto, disse ela.
Não poderia deixar passar em branco aquele momento tão peculiar. Na primeira oportunidade que tive, debrucei-me sobre o papel e escrevi um soneto shakespeariano todo em redondilha maior, com o sugestivo título de “PARTO”, brindando aquele momento tão sublime.

                                                                                                     

 POR UM FIO

Estou no mundo,
nas ruas, em todos os espaços
de braços abertos ou cruzados.
Trago inquietações
dentro de meu ser
meio tenso
de tantas adversidades.

Eu estou em casa, no quarto,
mirando o mundo por uma janela,
procurando os pontos finais...

Eu estou buscando soluções...

Eu estou na cama,
no meu mundo,
entre meus sonhos,
trançando cordas
para atravessar o abismo.

Eu estou na vida, e na morte.
Entre a vida e a morte,
em cima da ponte.



Eu estou por um fio,
olhando seres transtornados
que me fitam de baixo.
São formigas tumultuadas.

Eu estou inconformada,
buscando as peças
do grande quebra-cabeça.

Eu sou um fragmento.
Eu sou um fiasco.
Eu sou voz.
Também um pouco
de silêncio.

Pollyanna Furtado
P. 27/28
In: simetria do caos


parto

aflora-se à flor da pele,
uma inquietante dor!
que revestida de cor,
àquele momento a impele.
e ali, ao meu lado, a poeta,
transpõe no papel esquálido,
versos que surgiam pálidos,
e obtiveram a correta
cor, no manuseio douto,
que só ela, no fundo, sabe
fazer o que a ela cabe,
nesses versos livres, soltos.
salta do âmago qual parto,
seus versos belos e fartos!

                Miguel de Souza



sábado, 18 de junho de 2016

SOBRE LIVROS

Meu ovO esquerdo – aforismos ou (desaforismos) como disseram alguns, é um dos livros mais interessantes lançados em Manaus nos últimos tempos. Nele, Dori Carvalho exprime toda a sua criticidade numa maneira muito inteligente de dizer. Com frases concisas e enxutas, o poeta vai extraindo do cotidiano suas sacadas maravilhosas, com seu ponto de vista peculiaríssimo.
Como:
10
Erasmo de Rotterdam elogiou
a loucura, Lafargue, o direito
à preguiça e nós, a conquista
da idiotice.
   
23
Hoje, vejo tudo Nietzchedamente.

28
Kant lá que eu canto cá.

85
Às seis horas da tarde, quando
no céu não é noite nem é dia,
o Criador olha para a sua criação
e chora; de arrependimento.



Meu ovo esquerdo é uma
Homenagem aos oprimidos.
Uma defesa do ovo esquerdo,
Que sendo menor e ficando
Um pouco abaixo, sempre foi oprimido pelo direito.
O ovo é símbolo da resistência dos
Massacrados e esquecidos (risos).
Minhas sinceras verdades cruas, minhas
Emoções verdadeiras e nuas.
Estes escritos não são pedras preciosas,
Não são pérolas, são pedras lascadas. Desaforos
Levados pra casa.

Dori Carvalho – na contracapa de ”O meu ovo esquerdo”.

Além de citações de grandes pensadores universais:
Posso resistir a tudo,
Menos à tentação.
                                                        Oscar Wilde

O homem que se vende
Recebe sempre mais do que vale.
                                          Barão de Itararé



Democracia é quando eu mando
em você, ditadura é quando você
manda em mim.
                                                    Millôr

Ainda contamos com as palavras de leitores ilustres que deram seus pitacos sobre o livro:
Aforismos breves e fascinantes,
Pequenas grandes descobertas, tais
Quais as de Colombo...
                                                 Jorge Bandeira
                                                 historiador e teatrólogo

meu novo Cioran... está
simplesmente genial. Têm alguns
aforismos de morrer de rir.
                                            Simão Pessoa
                                            Escritor

Os desaforismos de Dori Carvalho
E suas idiossincrasias no seu “ovo esquerdo” são uma resposta contra a tirania e a barbárie! Suas observações são achados poéticos e filosóficos que exorcizam fantasmas! Seus desabafos, pensamentos e críticas rompem com a letargia da alma, para arrancar do espelho verdades inaceitáveis! Suas obviedades são como limão azedo, necessário à purificação do sangue!
Tudo para mostrar, além dos fios de alta tensão, a lua que nos recusamos a ver!
                                                                                                                       Regina Melo

                                                                                                            escritora e jornalista

sábado, 11 de junho de 2016

SOBRE POEMAS

Sou um sujeito que nunca escreveu um poema. Nunca me sentei para escrever um poema. Todas as vezes que me pego escrevendo algo, não estou compondo um poema, estou me exercitando. E se esse exercício chega a algo parecido com um poema é deveras interessante.
Existem rascunhos de poemas em folhas soltas dentro de livros, nos cadernos da época da escola, faculdade, enfim... Agora, na era do computador, eles migraram para lá, basta um clique e pronto, surgem à minha frente centenas de sonetos ou exercícios de sonetos feitos ali mesmo. Sem a menor pretensão de coisa alguma.
Ontem mesmo, estava num desses exercícios, talvez para preencher alguma lacuna dentro de mim, não sei. Só sei que como uma conversa puxa outra, um verso pede outro, e assim acontecem os textos. Mas os textos acontecem mesmo muito antes de irem deitar-se nas folhas dos cadernos, ou na tela dos computadores, como queiram. Ou surgem de uma conversa com alguém, ou de uma reportagem, enfim, dos acontecimentos mais estapafúrdios podem surgir um poema.
Por exemplo: ao assistir uma reportagem num determinado veículo televisivo, o repórter mostrava uma cidade em que os homens estavam saindo para outros lugares, exatamente porque lá, nessa cidadezinha, não havia mulheres suficientes para eles.  Achei que isso daria um bom enredo para um poema. Coloquei-me no lugar de um daqueles homens, para dar vazão ao tema e surgiu um soneto que intitulei de “A chave”. Uma abordagem sobre um homem que nunca teria dado um beijo.

Eis o soneto:

A CHAVE

Nunca pousou na minha boca um beijo
Que trouxesse junto a ele alguma língua!...
E toda essa necessidade à míngua,
Nunca matou, enfim, esse desejo!

Seja por timidez... quiçá por pejo,
Mas nunca pousou nesta boca outra língua!...
Tudo isso me incomoda igual a uma íngua
Dorida! E com vergonha já me vejo!

Por nunca ter sentido esse sabor,
Da chave dessa porta para o amor,
Que é o ósculo num momento de ternura...

Já me vejo com a paciência extinta,
Por ter passado há muito dos meu trinta, e
Nunca ter dado um beijo! Que loucura!

Miguel de Souza 



sábado, 4 de junho de 2016

POESIAS POLÍTICAS

UM SONHO AUDAZ...

Sonhei... - será pecado alguém sonhar? -
Sonhei que nada disso acontecia,
e que nossa auto-estima sugeria
esquecer, não ouvir, e enfim, calar.

Era, então, necessário não lembrar
os estupros, sequestros e ousadia
dos crimes de casaca que, um dia,
levaram o País a se ultrajar.

Sonhei... que não havia impunidade
e que os delitos contra a honestidade
eram águas passadas - só lembranças...

triste e feia lembrança, que a vergonha
se nega a recordar e se envergonha
de um passado sem lei, sem segurança.

                                 Paraná da Eva - AM, bordo da
                                 lancha "Dona Dorva", 2001

Almir Diniz
In: Magia e Sedução
P. 89