sábado, 5 de julho de 2014

POEMAS PREFERIDOS

                                                           MANUEL BANDEIRA

          "Balada das três mulheres do sabonete Araxá" encerra com nitidez grande parte da filosofia e da técnica da poesia de Manuel Bandeira. Segundo relata o autor, foi após ver um cartaz de sabonete que se pôs a compor o poema. "O trabalho de composição está em ter adequado às circunstâncias de minha vida, fragmentos de poetas queridos e decorados em minha adolescência (...)", escreveu nos depoimentos que estão no seu Itinerário de Pasárgada, de 1954.
          Bandeira foi grande admirador de Luiz Delfino, autor de "As três irmãs". As três mulheres de Bandeira parodiam as três irmãs de Delfino. Só que sem  amor paternal, o amor fraternal e o amor redução. E sem a paixão. O "Se a segunda casasse, eu mesmo iria à igreja, levá-la pela mão" de Delfino se transforma em "Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida" em Bandeira.
          O poema incorpora, ainda, versos de Rimbaud: "a minha vida de outrora teria sido um festim!"; repete a pergunta de Tetrarca a Salomé de Oscar Wilde -"não quero nada disso, Tetrarca. Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá". Faz o mesmo com Ricardo II, de Shakespeare - "o meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá". Vale-se sempre com a mesma ironia de Bilac, de Castro Alves e de letras de samba do carnaval carioca.
          A colagem e o entrecruzamento dos textos seguem a experiência cubista e surrealista. O autor sempre afirmou que era comum compor meio fora de si - febre, cansaço, sonho. O surrealismo de André Breton potencializava o humor, algo triste do Bandeira tuberculoso. Contra a morte, a ironia e o insólito.


BALADA DAS TRÊS MULHERES DO SABONETE ARAXÁ

As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipinotizam.
Oh, as três mulheres da sabonete Araxá às quatro horas da tarde!
O meu reino pelas três mulheres do sabonete araxá!

Que outros, não eu, a pedra cortem
Para brutais vos adorarem,
Ó brancaranas azedas,
Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata,
Ou celestes africanas:
Que eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres do sabonete Araxá!

São amigas, são irmãs, são amantes as três mulheres do sabonete Araxá!
São prostitutas, são declamadoras, são acrobatas?
São as três Marias?

Meu Deus, serão as três Marias?

A mais nua é doirada borboleta.
Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava pra beber e nunca mais telefonava.
Mas se a terceira morresse... Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim!

Se me perguntassem: Queres ser estrela? Queres ser rei? Queres uma ilha no pacífico?
                                                                                   [Um bangalô em Copacabana?

Eu responderia: não quero nada disso Tetrarca. Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá:
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!

                                                                                           Manuel Bandeira
                                                                                           In: Estrela da Manhã

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