sábado, 17 de fevereiro de 2018

SONETO SEM NOME

Das poucas lembranças que tenho da minha meninice interiorana, era da época da enchente. Mas provavelmente, o término desta. Lembro-me que atrás de casa formava uma espécie de igarapé que, com a chegada da seca ia se desfazendo. Era sempre poético poder pisar e andar de novo na terra que havia sido consumida pela água.
Era aí que se dava uma das mais belas imagens que vislumbrava e que o tempo não se encarregou de apagar da minha retina. As tartaruguinhas recém- -nascidas caminhavam em direção ao rio. Na luta pela vida, muitas delas feneciam no caminho.
Foi quando tive a ideia de pegar uma para criar, juntamente com minhas duas irmãs, que infelizmente adoeceram, e eu tive de cuidar dela sozinho. Teria que trocar a água do recipiente de quando em vez, colher e colocar certa gramínea para ela se alimentar. Coisa que não foi feita. Pois, só queria tirar a tartaruguinha da bacia para brincar com ela, e me esquecia de trocar a sua água e de colocar o seu alimento. Quando minhas irmãs perguntavam sobre ela, respondia que estava tudo bem. Não demorou muito e a tartaruguinha morreu de fome e maus tratos.
Para me redimir desta falha, escrevi um soneto sem título. Pois o arrependimento foi tanto, que não consegui intitular o soneto que compus, pedindo desculpa dela pela minha inocência de garoto.


Venho neste soneto com vergonha,
Pedir desculpas a uma tartaruga!
Por eu ter impedido a sua fuga,
Numa atitude vil, cruel, errônea...

Pela minha ação tanto quanto bisonha, 
Que o meu pensamento, hoje, aluga
As lágrimas que o tempo não enxuga...
Hoje, essa tartaruga apenas sonha.

Com o meu peito cheio de mágoa,
Por eu não ter trocado a sua água,
Rabisco esse soneto sem nome.

E peço-te desculpas mais uma vez,
Se fosse hoje em dia, talvez,
Não a deixaria perecer de fome.

Miguel de Souza

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